TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
61 acórdão n.º 395/12 O facto de estarmos perante um diploma direcionado à resolução de uma situação concreta, só por isso, não obsta a que a sua autoria pertença a um órgão com poderes legislativos (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 26/85, deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . De igual modo, a circunstância de o “Fundo Social”, onde se integravam os valores cujo destino foi deter- minado pelo Decreto em causa, ter sido criado e posteriormente revogada a sua criação por Despachos do Governo Regional, não é suficiente para conferir o monopólio da matéria ao Governo Regional, não impedindo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de intervir na regulação das consequências daquela revogação. Estamos num espaço de competência concorrencial, em que era legítima a atuação de qualquer um destes órgãos regionais, sendo certo que uma intervenção legislativa era da competência exclusiva da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira [artigos 232.º, n.º 1, e 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição]. A questão que se coloca é a de saber se, tendo o Decreto sob fiscalização um acentuado grau de concre- tização na disciplina da matéria em causa, a densidade com que tal regulação foi efetuada implicou uma sub- tração, por via legal, de um poder exclusivamente confiado à atividade administrativa do Governo Regional. Sobre a questão da existência de uma reserva de administração, o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar por diversas vezes (cfr. os Acórdãos n. os 461/87, 1/97 e 214/11, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , mas em situações em que estava em causa a separação de poderes entre a Assembleia da República e o Governo da República, tendo perfilhado a opinião de que uma reserva geral de administração surge como inadequada à função atual do princípio da separação de poderes, na medida em que diminuiria as possibilidades de efetivação do controlo democrático do Executivo, limitando as áreas de intervenção legislativa do Parlamento e excluindo-o da direta decisão política, além de que não se consubs- tancia, no texto constitucional, qualquer estrita correspondência entre separação de órgãos e separação de funções, de modo a que a separação de órgãos tenha o sentido de implicar uma rígida divisão de funções do Estado entre eles, exprimindo até a referência à interdependência dos órgãos do Estado constante do artigo 111. º, n.º 1, da Constituição, uma lógica de colaboração e articulação funcional. Contudo, isso não impede que se reconheça quer a existência de domínios claramente identificados e deli- mitados de competência exclusiva da Administração, quer a reserva de um núcleo essencial de atuação de cada um dos poderes do Estado, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza da competên- cia em causa, enquanto justificação da sua previsão e expressão da sua igual legitimidade político-constitucional. Regressando ao caso dos autos, em que, recorde-se, a questão não se coloca entre órgãos de soberania, mas entre a Assembleia Legislativa de uma Região Autónoma e o respetivo Governo, importa, antes de mais, realçar que, embora o princípio da separação e interdependência de poderes se encontre formulado no artigo 111.º, n.º 1, da Constituição, com referência aos órgãos de soberania, ele é coessencial ao Estado de direito democrá- tico, pelo que, por força do disposto no artigo 2.º da Constituição, assume-se como princípio fundamental e definidor de toda a organização da comunidade política e do Estado, incluindo a das regiões autónomas. Há que ter em conta, porém, a particular atribuição de competências entre os diferentes órgãos regionais definida na Constituição. Em ambas as regiões autónomas, num sistema de governo de tipo parlamentar, o exercício da função legislativa é atributo exclusivo dos parlamentos regionais, mas a função administrativa é partilhada, embora em quotas desiguais, entre a Assembleia Legislativa e o Governo Regional (Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa Anotada , de Jorge Miranda/Rui Medeiros, Tomo III, p. 414, da edição de 2007, da Coimbra Editora). A Assembleia Legislativa não só tem o monopólio da função legislativa, como partilha a função administrativa com o Governo Regional, nos poderes regulamentares, o que configura um modelo de repartição das funções pelos diferentes órgãos regionais que, em relação àquele que vigora entre os órgãos de soberania, alarga a área de ação da Assembleia Legislativa, conferindo-lhe maiores poderes de intervenção. Esta diferente repartição orgânico-funcional dos poderes da Região não pode deixar de ser considerada quando está em discussão uma eventual invasão pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de espaço reservado à atuação do Governo Regional. O Decreto sob fiscalização, no artigo 1.º, adota um critério normativo, no que respeita ao destino a dar aos valores do “Fundo Social da Direção Regional de Aeroportos”, confiados à guarda da ANAM, dispondo,
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