TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

467 acórdão n.º 398/12 Estando obrigadas a respeitar a integridade da soberania e unidade do Estado (artigo 6.º da CRP), as autarquias locais visam, porém, a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, nº 2, da CRP), devendo dar livre expressão aos mesmos (princípio da autonomia local). A proposta de referendo apresentada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma insere-se no âmbito do processo legislativo de reorganização administrativa territorial em curso, sendo estritamente consultiva a competência das autarquias no referido procedimento (artigo 11.º, n.º 4, da Lei n.º 22/2012). As perguntas a responder no âmbito do referendo proposto pela Assembleia de Freguesia de Crestuma destinam-se, portanto, a habilitar a respetiva Junta de Freguesia a emitir parecer (não obrigatório e não vincu- lativo) sobre a solução de reorganização administrativa pretendida pela comunidade local. Uma escolha que não tem necessariamente de passar apenas por uma solução excludente de todas as demais, antes podendo exprimir-se na adesão a soluções variadas. Na verdade, sendo obrigatória a reorganização das freguesias, são múltiplas as possibilidades que se abrem à concretização dos parâmetros de agregação definidos no artigo 6.º da Lei [no caso de Crestuma, pertencendo a um município de «nível 1» (Vila Nova de Gaia), os parâmetros a respeitar são os indicados na alínea a) do n.º 1 da referida disposição legal]. É neste contexto que as perguntas propostas a referendo devem ser lidas. No caso em apreciação, a circunstância de serem três as freguesias vizinhas conduziu à necessidade de formular três perguntas ao elei- torado o que dificulta, é certo, a leitura dos resultados, mas não significa que ela se torne impossível. Vem de longe a procura da perfeição do sistema de eleições, enquanto método de escolha coletiva. Já no século XVIII o matemático Jean-Charles Borda notara que, numa escolha entre três candidatos, é possível eleger aquele que a maioria dos eleitores coloca em último lugar nas suas opções relativas. Pouco depois, Condorcet aumentava a perplexidade ao demonstrar que nem sempre é possível relacionar de forma coerente as escolhas dos eleitores. O conjunto dos eleitores pode preferir A a B e B a C , mas não preferir A a C ( quando a lógica individual dita que quem prefere A a B e B a C também prefere A a C ). Permanecendo matematicamente insolúvel a falta de equivalência das escolhas coletivas às escolhas individuais que, de resto, constitui problema comum a qualquer votação, seja ela expressão da democracia direta, semidirecta ou mesmo da democracia representativa, tal não significa a falência do método eleitoral enquanto instrumento de aferição da vontade coletivamente aceite. A tese que fez vencimento no Acórdão pressupõe a verificação de concorrência entre as perguntas, enquanto hipóteses alternativamente colocadas, e cujas respostas se excluem necessariamente entre si, o que, em meu entender, não se verifica no caso. Como acima referido, a consulta promovida visa a emissão de parecer no âmbito de competência meramente consultiva no processo legislativo em curso. Ora, na reorga- nização administrativa territorial em aberto não é de excluir a possibilidade de agregação de várias freguesias na nova freguesia a criar. E sendo assim, a expressão das respostas que vierem a ser dadas às três perguntas formuladas não tem de ser apurada na mira de uma única solução querida ou aceite pela população, antes convocando a emissão de parecer que ilustre a adesão do eleitorado a cada uma das hipóteses abertas, sem prejuízo da unicidade do tema referendado. É certo que nenhuma das perguntas formuladas interroga a opinião do eleitor sobre a possibilidade de agregação plural. Mas a opção final da Assembleia da República não tem que traduzir uma escolha necessa- riamente expressa pelas comunidades afetadas. Nem por isso a auscultação da sensibilidade local deixará de constituir um elemento enriquecedor no processo legislativo em referência. É este o sentido da Constituição quando no seu artigo 249.º impõe a consulta dos órgãos e autarquias locais na matéria. E, nesse sentido, as respostas que viessem a ser dadas aos quesitos referendários formulados não deixariam de permitir, de modo imediato, e sem qualquer mediação interpretativa, o apuramento do sentido da vontade popular a reproduzir no parecer a emitir pela Junta de Freguesia. Assim, uma resposta maioritariamente negativa (mais respostas no “Não” do que no “Sim”) a todas, ou algumas das perguntas conduziria a parecer negativo dos habitantes de Crestuma à agregação da freguesia com as freguesias vizinhas chumbadas. Pelo contrário, uma resposta

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