TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

446 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assembleia de freguesia apenas pode emitir parecer que a assembleia municipal acatará, “desde que se conforme com os princípios e parâmetros definidos na lei” (artigo 11.º), o que significa sem dúvida alguma, e em última análise, que é meramente opinativo ou de mera inutilidade; 2 – Visto que a aplicação estrita da lei implica a extinção desta freguesia e a agregação a outras que a população liminarmente pode rejeitar, ou seja, pode ser-lhe imposta por determinação legal (artigo 14.º) uma solução à inteira revelia da vontade do povo, com inimagináveis consequências futuras, entendeu esta Junta deliberar a propositura de um Referendo Local, conforme fundamentado na Proposta de Referendo, para se determinar a vontade expressa da população; 3 – A solicitação de Referendo ao TC, conforme teor da proposta desta Junta de Freguesia, funda-se, em primeira linha, na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL) de 15 de outubro de 1985, adotada pelo Conselho da Europa, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 58/90 de 23 de outubro, publicado no , I série n.º 245/90; 4 – O preceituado na Carta vincula o Estado Português, com a supremacia que lhe é reconhecida (artigo 8 CRP e primado do direito da União), em toda a sua extensão, na medida em que o Estado decidiu não proceder a qualquer notificação (Secretário Geral do Conselho da Europa) para limitação do seu âmbito, como lhe era lícito ao abrigo do preceituado dos artigo 12.º e 13.º dessa Carta. 5 – Vigorando assim plenamente a dita Carta na Ordem Jurídica Portuguesa desde 1 de abril de 1991, do Preâmbulo da Carta consta especialmente: – 3. º Considerando: “que as autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático” – 4. º Considerando: “que o direito de os cidadãos participar na gestão dos assuntos públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados membros do Conselho da Europa” – 5. º Considerando: “convencidos de que é ao nível local que este direito pode ser mais diretamente exercido” – 7. º Considerando: “conscientes do facto de que a defesa e o reforço da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização do poder” – 8. º Considerando: “que o exposto supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão” 6 – No seu artigo 2.º determina-se que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e tanto quanto possível pela Constituição”; e quanto ao seu âmbito refere-se no artigo 4.º n.º 4 que “As atribuições confiadas às autarquias locais devem ser normalmente plenas e exclusivas, não podendo ser postas em causa ou limitadas por qualquer autoridade central ou regional, a não ser nas termos da lei”; e no n.º 6 do mesmo artigo – “As autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possível, em tempo útil e de modo adequado, durante o processo de planificação e decisão relativamente a todas as questões que diretamente lhes interessem” 7 – E quanto à proteção dos limites territoriais das autarquias locais consigna-se no artigo 5.º : “As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita” 8 – Em segunda linha, há que registar o princípio da Constituição da República Portuguesa no qual se afirma que Portugal é um estado de direito democrático, e de acordo com ele compete ao Estado Português garantir a participação ativa das populações nos assuntos que lhes respeitem, não devendo pois tomar qualquer decisão, que condicione ou altere a vida das populações, sem a sua prévia audição e participação (artigo 2.º e 9.º da CRP); 9 – Posto isto, em ordem à boa decisão do Processo de Referendo, importa verificar se a lei portuguesa (Lei orgânica 4/2000 de 24-08) contraria a referida Carta Europeia, quanto ao exercício do Referendo, tanto mais que é posterior ao compromisso assumido pelo Estado Português na CEAL, e se pode ser aplicada em caso de incompa- tibilidade com os princípios e determinações consignados na referida Carta de forma direta, clara e incondicional. 10 – Em vista disso, caso se entenda que a referida Lei orgânica 4/2000 não contempla o exercício do direito de Referendo Local quanto à matéria em causa, solicita-se, ao abrigo do disposto no artigo 267 do TFUE, que o

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