TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mento junto aos presentes autos de fiscalização preventiva encontra-se denominado por “Parecer”, sendo tal referência reiterada no primeiro parágrafo do referido documento. Mas essa denominação divergente da legalmente fixada não obsta a que a tal documento seja atribuída a natureza que materialmente lhe cabe, de projeto de referendo local. Tal projeto de deliberação foi aprovado pela assembleia de freguesia presidida pelo subscritor do pre- sente pedido de fiscalização, no prazo e com a maioria previstos na lei (artigos 25.º e 28.º da LORL). Pode, assim, concluir-se pela inexistência de irregularidades formais ou de procedimento de que cumpra conhecer. 6. Começando pela fiscalização da constitucionalidade da deliberação que aprovou um referendo local, a realizar na freguesia de Milheirós de Poiares, importa notar que o mesmo visa confrontar o eleitorado respe- tivo com a seguinte pergunta: “Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”. Conforme denota o próprio projeto de deliberação, tal referendo local insere-se num procedimento deliberativo complexo tendente à emissão de parecer pela referida Assembleia de Fre- guesia, previsto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. Daqui decorre que o referendo local não se limita a versar sobre a mera “Reorganização administrativa do território das freguesias” (regulada nos artigos 4.º a 15.º da Lei n.º 22/2012 – Capítulo II), mas tem antes por objeto uma questão que envolve a própria “Reorganização administrativa do território dos municípios” (regida pelos artigos 16.º e 17.º do mesmo diploma – Capítulo III). Tal resulta da circunstância de se pretender apurar se os eleitores de uma Freguesia atualmente integrada num Município – Santa Maria da Feira – concordam que ela passe a integrar um outro Município – São João da Madeira. À partida, a Constituição da República Portuguesa (artigo 240.º, n.º 1) admite a possibilidade de reali- zação de referendos locais, desde que estejam em causa “matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer”. Importa, portanto, determinar se a pergunta que se pretende submeter a referendo local abrange matéria que seja configurável como incluída na competência da assembleia de freguesia em causa. Sucede que vigora uma reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República quanto à criação, extinção ou modificação de autarquias locais [artigo 164.º, alínea n) , da CRP]. Daqui decorre que as assembleias de freguesia não dispõem de competência para deliberar, com força vinculativa, sobre essa maté- ria, pelo que a decisão quanto à modificação dos limites territoriais dos municípios de Santa Maria da Feira e de São João da Madeira não se inclui nas competências da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares. Mas, dado que está em questão uma alteração da área destes dois municípios, a consulta prévia dos órgãos das autarquias abrangidas − não apenas os dos municípios, mas também os da freguesia afetada – cor- responde a um imperativo constitucional, nos termos do disposto no artigo 249.º da CRP (cfr., quanto aos órgãos chamados a pronunciarem-se, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 759-760). Logo a nível constitucional, se torna, pois, manifesto que a Assembleia de Freguesia em causa detém poder consultivo, para este efeito. É quanto basta, após a revisão constitucional de 1997, que retirou do artigo 240.º da CRP (anterior artigo 241.º) a exigência de que a matéria se integre na competência exclusiva dos órgãos autárquicos, para dar por assente o preenchimento deste requisito do referendo local – cfr. ob. cit., p. 760, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , III, Coimbra, 2007, p. 521. O facto de ter sido a Assembleia de Freguesia a tomar a iniciativa, e de não estarmos perante um pro- cedimento legislativo, já em curso efetivo, de alteração da área de municípios, não invalida essa conclusão. Na verdade, essa iniciativa integra-se no disposto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 22/2012, que con- cede às assembleias de freguesia o poder de apresentar “pareceres sobre a reorganização territorial autárquica”, opção legislativa que se insere num procedimento consultivo que visa estimular a participação dos órgãos das várias pessoas coletivas públicas autárquicas (municipais e freguesias) na decisão legislativa a tomar, a final,

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