TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
433 acórdão n.º 384/12 11. De todo o modo, é detetável nesta iniciativa referendária um vício que decisivamente obsta à sua admissibilidade, sem possibilidade de reformulação da pergunta. As assembleias municipais foram chamadas a pronunciar-se, nos termos já expostos, sobre a reorga- nização administrativa do território das freguesias – em cumprimento do disposto no artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local, segundo o qual «as autarquias locais interessadas devem ser consultadas pre- viamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita». Nesse sentido, não pode duvidar-se de que a questão objeto de referendo se prende com matéria em relação à qual aqueles órgãos dispõem de competência – a de tomarem a deliberação prevista no artigo 11.º, n. os 1 e 3, da Lei n.º 22/2012. Mas essa conclusão não permite dar por assente, de imediato, que se encontra preenchido o requisito, fixado no n.º 1 do artigo 3.º da LORL, de integração da questão objeto deste referendo local nas competên- cias do órgão autárquico que tomou a iniciativa. Para isso, há ainda que ajuizar se a decisão a que a questão se reporta é do tipo das decisões tidas em vista por aquela norma, ao definir as matérias do referendo local. Ao perguntar, por via referendária, se deve ou não ficar vinculada a promover a agregação, fusão ou extinção de freguesias, a Assembleia Municipal de Barcelos está a pôr nas mãos dos destinatários da pergunta o exercício ou não de um poder que legalmente lhe foi conferido. Ora, tal não é possível, pois o exercício ou não de uma competência legalmente fixada a um órgão administrativo (neste caso, um órgão autárquico) não pode ficar dependente da vontade dos administrados. Há que distinguir o exercício da competência do sentido da decisão que resulta desse exercício. O que é referendável não é o exercício, mas apenas o conteúdo e sentido do ato pelo qual esse exercício se efetiva. É certo que a decisão de não participar no procedimento de reorganização não está excluída do campo de opções da assembleia municipal. Mas essa é uma decisão prévia que tem que ser tomada pelo próprio órgão, não podendo ele transferi-la para um centro decisor externo, sujeitando-se à força juridicamente cons- tringente da resposta referendária. Tal não está na disponibilidade de um órgão titular de uma competência legalmente atribuída, pois equivaleria a uma reconfiguração manipulativa do sistema legal de repartição de competências. Uma assembleia municipal pode decidir participar ou não participar; o que não pode decidir é que seja outrem a tomar por ela essa decisão. É de concluir, assim, que a questão objeto do referendo local sob apreciação, nos termos em que é colo- cada, não está dentro das matérias referendáveis, à luz do artigo 3.º, n.º 1, da LORL. III – Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela ilegalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Barcelos deliberou aprovar, na sua sessão de 22 de junho de 2012, relativo à pro- núncia deste órgão deliberativo sobre a reorganização administrativa territorial autárquica, prevista na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. Lisboa, 16 de julho de 2012. – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 31 de julho de 2012. 2 – Ver, neste Volume, os Acórdãos n. os 388/12, 391/12 e 398/12.
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