TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
427 acórdão n.º 384/12 Nota Justificativa Considerando que: 1 – Foi publicada a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, conferindo competência às Assembleias Municipais para se pronunciarem sobre a reorganização administrativa do território das freguesias (artigo 11.º, n.º 1 e n.º 4), sendo tal competência exercida nos 90 dias posteriores à entrada em vigor da lei (artigo 12.º). 2 – As divisões administrativas são, por força das dinâmicas económicas e demográficas, mutáveis. No entanto, há que ter consciência da forte e arreigada identidade local de muitas freguesias e municípios do nosso país, com consequências ao nível da própria representação política enquanto comunidade. 3 – A lei que enquadre as dinâmicas da divisão administrativa das autarquias locais deve garantir uma ade- quada participação e adesão das populações. Aliás, a história ensina-nos isso com o célebre episódio da Janei- rinha, revolta popular vitoriosa em 1868, especialmente direcionada para uma grande redução de freguesias e municípios operada pela Lei da Administração Civil de 1867, também conhecida como Lei Martens Ferrão. 4 – No quadro atual, Portugal é um dos países da União Europeia com maior dimensão média dos Muni- cípios, e quanto a uma eventual classificação do número de freguesias como elevado, há que lembrar que as mesmas apesar de ainda disporem de poucas competências e apenas cerca de 0,1% da despesa inscrita no Orça- mento de Estado, têm uma área média idêntica à média dos municípios de vários Estados membros da U E. 5 – A Carta Europeia de Autonomia Local vem estabelecer no seu artigo 4.º, n.º 6, que “As autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possível, em tempo útil e de modo adequado, durante o processo de planificação e decisão relativamente a todas as questões que diretamente lhes interessem. 6 – O artigo 5.º da Carta Europeia de Autonomia Local estabelece a obrigatoriedade de audição das autar- quias locais interessadas relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita. 7 – A Carta Europeia da Autonomia Local é um tratado internacional que vincula o Estado Português, cumprindo ao Estado e às autarquias locais honrar os compromissos internacionais da República Portuguesa, decorrentes do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local, da qual a República Portuguesa é parte, que determina a realização de referendo nestes casos, quando legalmente possível. 8 – A expressão “eventualmente por referendo, quando legalmente admissível” do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local tem de se referir, no que à expressão legalmente respeita, à própria abertura constitucional para o efeito, que como abaixo se verá, é clara nesta matéria. 9 – O Tribunal Constitucional considerou já admissível o referendo local nesta matéria – veja-se o teor dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 390/98, n.º 113/99, n.º 518/99, que abrem a porta ao referendo local nesta matéria – observados os requisitos legais, e a partir do momento em que a Assembleia da República solicite aos órgãos autárquicos competentes os pareceres que legalmente lhes compitam. 10 – Nem se pode vir invocar a alteração do Regime Jurídico do Referendo Local, ocorrido após a prolação dos acórdãos citados, designadamente a proibição de referendos locais em matéria de reserva de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 4.º, n.º 1, alínea a) da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro], uma vez que, este referendo em nada condiciona a atividade desse órgão de soberania, respeita apenas ao exercício de uma competência própria e exclusiva da Assembleia Municipal, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei n.º 22, de 30 de maio. 11 – E muito menos se pode invocar a vinculação das Assembleias Municipais à emissão obrigatória de pro- núncia conforme, como motivo de exclusão do recurso ao referendo local nesta matéria [artigo 4.º, n.º 1, alínea b) da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro], visto que a pronúncia não é obrigatória e pode até ser desconforme com os critérios estabelecidos pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio (ver artigo 13.º, n.º 2 e artigo 15.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio a contrario sensu ). 12 – Aliás, o Professor Doutor Jorge Miranda, em anotação ao artigo 240.º da Constituição da República Portuguesa, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, a páginas 479: “E como
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