TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucionalmente imposta, de um processo equitativo, e consequentemente, o sentido útil da tutela juris- dicional efetiva. Ora, apesar de se reconhecer a importância da proteção do bem jurídico constitucional da celeridade processual, enunciado pelo legislador como fundamento da introdução da norma em sindicância, no regime da fixação da indemnização devida por acidente de viação, e da adequação da medida para o realizar, aquele desígnio não pode comprometer, de forma desproporcionada, a funcionalidade ou sentido útil do direito à tutela jurisdicional efetiva. Sucede que a solução legislativa em causa, dando prevalência à celeridade na resolução do conflito, prejudica, precisamente, os lesados em acidente de viação que, sendo, embora, os principais interessados na celeridade da obtenção do ressarcimento, são, ao mesmo tempo, os prejudicados pela exclusão de outros meios de prova que coadjuvassem a fixação da indemnização do efetivo dano sofrido. É por esta razão que os lesados estão dispostos a abdicar da celeridade, sempre que discordam da fixação do montante indemnizató- rio, atacando-a em juízo. Com a solução normativa em apreciação, a parte mais fragilizada vê cerceada, sem justificação bastante, a possibilidade de, em juízo, fazer corresponder o valor da indemnização à realidade dos danos sofridos, por impossibilidade de valoração judicial dos rendimentos realmente auferidos, o que, nalguns casos, pode ter consequências de extrema gravidade. Também não se vê que o facto de ter sido apresentada pelo próprio lesado, para fins fiscais, a declaração que servirá como único comprovativo do rendimento a atender para efeitos de cálculo da indemnização – declaração que pode não corresponder à verdade – deva pesar decisivamente no sentido de vedar a valoração, pelo tribunal, de outros meios de prova mediante os quais fosse possível chegar aos rendimentos efetivamente auferidos e, com isso, ao montante indemnizatório justo. Afastar a ponderação de outros meios de prova, pelo tribunal, com o intuito de fomentar a coincidência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida – no “reforço de uma ética de cumprimento fiscal” – , é uma opção que pode prejudicar de forma irrazoável e excessiva o direito ao justo ressarcimento, em momento de particular fragilidade da vítima de acidente de viação. Isto dito, verifica-se que a pesada desvantagem para o lesado em acidente de viação, acarretada pela solução de afastar outros meios de prova, não encontra justificação bastante nas finalidades pretendidas. O prejuízo sentido pelos lesados excede, de forma desmesurada, os benefícios perseguidos pela solução legal em análise. Assim sendo, no caso, a limitação probatória imposta no regime de fixação da indemnização devida por acidente de viação, impedindo, em absoluto, a valoração de meios de prova que poderiam demonstrar factos relevantes e imprescindíveis para apurar o valor indemnizatório justo a atribuir aos lesados, não se mostra equilibrada em face do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Tal limitação, associada à especial fragilidade da vítima de acidente de viação, pode pôr em causa, de forma intolerável, o justo ressarcimento dos danos sofridos, sendo desconforme com a justiça e equidade que devem ser apanágio do processo. A restrição probatória ínsita na interpretação normativa em análise, na medida em que constitui um obstáculo a que o julgador apure o dano efetivo do lesado, numa componente tão importante, anulando a margem de liberdade de decisão, quanto à pertinência de valoração e utilidade de produção de outros meios de prova, comporta uma significativa afetação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, conducente ao justo ressarcimento do lesado, vítima de acidente de viação. Concluímos, desta forma, pela inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreciação, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo. Encontrando-se assente o juízo de inconstitucionalidade, torna-se desnecessário analisar a eventual vio- lação de outros parâmetros da Lei Fundamental.
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