TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
409 acórdão n.º 383/12 Porém, em muitos casos, como se frisou no Acórdão n.º 270/09, este direito à reparação dos danos depara-se com uma inultrapassável dificuldade de concretização prática: a inexistência de património do obrigado à repa- ração suscetível de execução. É, por isso, frequente que o legislador institua o dever de cobrir com um seguro de responsabilidade civil a obrigação de indemnizar que possa estar ligada ao exercício de determinadas atividades potencialmente geradoras de danos para terceiros de modo a que, verificado o evento que obriga à reparação, os lesados possam ter perante si uma entidade cuja solvabilidade esteja, em princípio, garantida (a seguradora) e não ( ou não apenas) o lesante, cujos acasos de fortuna podem esvaziar de conteúdo prático o direito à indemnização. O seguro automóvel obrigatório é precisamente um destes institutos. As regras gerais da responsabilidade civil tornaram-se inidóneas para dar resposta, prática, equitativa e economicamente equilibrada, ao problema da reparação dos danos emergentes de acidentes de viação. Sendo a circulação rodoviária uma das atividades em cujo desenvolvimento mais frequentemente ocorrem acidentes suscetíveis de causar danos pessoais ou patrimoniais a terceiros, ao estabelecer a obrigação de cobrir a responsabilidade civil emergente da circulação de veículos, não deixando a sua sorte ao acaso da previdência dos responsáveis, o legislador protege de modo genérico as potenciais vítimas e futuros titulares do direito à reparação.» Como decorre do excerto transcrito, os acidentes de viação estão, frequentemente, na origem de danos graves, pelo que o legislador, reconhecendo a utilidade social da circulação rodoviária, e pretendendo salva- guardar o direito ao efetivo recebimento da justa indemnização pelos lesados, criou mecanismos adequados a proteger o equilíbrio entre a manutenção de tal atividade e a proteção das vítimas. É nessa lógica que se integra a instituição do regime de seguro obrigatório. A norma em apreciação no presente recurso insere-se no âmbito de uma revisão do “regime aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação”, operada pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, introduzindo alterações ao Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o “regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”. Na interpretação normativa assumida pela decisão recorrida, o n.º 4 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, determina que, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período. De acordo com tal entendimento, a norma restringe os meios de prova admissíveis, vedando ao julgador a possibilidade de valorar outros meios de prova, para além da prova documental decorrente do cumpri- mento das obrigações fiscais declarativas de rendimentos auferidos. De tal restrição decorrerá que o incumprimento do dever de verdade do contribuinte, relativamente a tais obrigações declarativas – que, como salienta a decisão recorrida, frequentemente ocorre através de uma declaração inexata, por defeito, dos rendimentos auferidos, por forma a diminuir o valor do imposto a pagar – terá efeitos incontornáveis sobre o cálculo da indemnização que lhe possa vir a ser devida, na sequência de acidente de viação. Desta forma, cria-se uma situação em que danos importantes como a perda de rendimentos provenien- tes do trabalho, por incapacidade temporária, e sobretudo a perda ou redução da capacidade de ganho, por incapacidade permanente – que frequentemente correspondem à maior fatia do montante global indemni- zatório devido por força de acidentes de viação – poderão não ser suficientemente ressarcidos. Embora, como se afirmou, não caiba ao Tribunal Constitucional substituir-se à margem de liberdade do legislador no juízo valorativo que conduz à opção pela restrição probatória em causa, traduzida na intro- dução da norma em sindicância, respeitante ao regime da fixação da indemnização devida por acidente de viação, com fundamento, designadamente, no objetivo de celeridade processual, cabe-lhe, ainda assim, apre- ciar se tal opção comprime, de forma desproporcionada, sem justificação razoável e suficiente, a formatação,
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