TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
407 acórdão n.º 383/12 Com especial pertinência para a compreensão do concreto preceito, que suporta o objeto do presente recurso, pode ler-se, no mesmo Preâmbulo: « Uma das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de novembro, diz res- peito à “revisão do regime jurídico aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização, de forma que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante.” Com efeito, hoje sucede que a determinação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados em processos de indemnização por acidente de viação, na medida em que contribuem para a definição do quantum indemnizatório por danos patrimoniais, gera litígios evitáveis, uma vez que as seguradoras, em regra, baseiam o respetivo cálculo nos rendimentos declarados pelos lesados à administração tributária, ao passo que os sinistrados, não raras vezes, invocam em juízo rendimentos superiores, sem qualquer correspondência com as respetivas declarações fiscais. Trata-se, portanto, de uma área que, em razão da potencial litigiosidade que lhe está associada, requer a apro- vação de regras mais objetivas, que baseiem o cálculo da indemnização, quanto aos rendimentos do lesado, na declaração apresentada para efeitos fiscais. Assim, não obstante o avanço trazido pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, torna-se imperioso pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida – sinalizando-se também aqui, o reforço de uma ética de cumprimento fiscal – e, por outro, aumentar as margens de possibilidades de acordo entre segura- doras e segurados, evitando o foco de litigância que surge associado à dissemelhança de valores que estas situações comportam. A introdução desta regra contribui igualmente para que nestas matérias exista mais objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa.» 9. A decisão recorrida baseia a recusa de aplicação da norma – que reputa como abstratamente aplicável ao caso – na violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e da igualdade, consagra- dos, respetivamente, nos artigos 20.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP). Comecemos por analisar o princípio da tutela jurisdicional efetiva. O direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva corresponde a um alicerce estruturante do Estado de direito democrático, que se traduz na faculdade de obter, pela via judiciária, a garantia de proteção e realização de direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente através de uma solução justa de conflitos, com observância de imperativos de imparcialidade e independência. De entre as várias dimensões em que se desdobra o direito à tutela jurisdicional efetiva, salienta-se, como alvo da presente análise, a garantia de um processo equitativo, por ser essa a vertente que mais se evidencia como potencialmente beliscada pela interpretação normativa posta em crise. O princípio da equitatividade é expressamente referido no n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental, que dispõe o seguinte: « Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.» 10. O direito fundamental a um processo equitativo pressupõe uma estrutura processual adequada- mente conformada aos fins do processo, que conduza ao seu desenvolvimento em condições de equilíbrio, direcionada à obtenção de uma decisão ponderada, materialmente justa do litígio, que proporcione aos inte- ressados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (Acórdão n.º 632/99).
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