TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL possível por forma a pagar o menos possível, é evidente que raramente tais declarações refletem os verdadeiros ren- dimentos auferidos e, consequentemente, calcular com base nelas o valor dos rendimentos perdidos em consequên- cia de incapacidade resultante de acidente de viação, é falsear a realidade, em benefício dos lesantes, ou melhor, das seguradoras que se lhes substituem, por obrigação contratual, na indemnização desses danos. (…) Não é atribuindo a esse documento — que apenas prova que o emitente declarou o que nele consta – uma especial força probatória em matéria de acidentes de viação, desse modo conduzindo a decisões injustas por basea- das em valores sem correspondência na realidade, que se sensibilizam os contribuintes para a necessidade de não omitirem rendimentos nas declarações fiscais, tanto mais que para essa omissão, a lei prevê sanções de natu- reza contraordenacional e penal no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2001, de 05/06). A este respeito, por lapidar, veja-se o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2008, no qual se entendeu, no sentido que propugnamos, que: “ Considerado provado pelas instâncias que o autor auferia o rendimento diário de 40 € no exercício da sua pro- fissão, mas que declarou vencimento inferior para efeito de declaração de IRS e de descontos à Segurança Social, tal situação pode configurar uma infração de natureza fiscal, mas não se afigura que preencha uma situação de abuso de direito que impeça o autor de ser indemnizado pelo dano patrimonial apurado, com base no rendimento que efetivamente deixou de auferir.” Nunca uma decisão exclusivamente baseada na declaração de rendimentos para efeitos fiscais, de duvidosa força probatória no que concerne aos rendimentos realmente auferidos, ou na ausência dessa declaração baseada num valor ficcionado correspondente ao escalão mais baixo de rendimentos – a RMG – , equiparando situações que podem ser muito diferentes e não permitindo atender às particularidades de cada caso concreto, poderá ser objetivamente justa, no sentido pretendido de atribuir aos lesados uma indemnização de valor correspondente ao dos danos sofridos, antes favorecendo injustificadamente as seguradoras em desfavor das vítimas dos acidentes de viação. Não se vislumbra como pode o tribunal atender às regras estabelecidas nos n. os 7 a 9 do citado artigo 64.°, na averiguação dos danos patrimoniais sofridos pelos lesados em acidente de viação e na fixação da indemnização por eles devida, sem afrontar as disposições contidas nos citados art.°s 562° e segs., que visam a indemnização do dano concreto realmente sofrido pelo lesado, nem ofender intoleravelmente os princípios constitucionalmente consa- grados da igualdade (cfr. art.° 13° da CRP) e da tutela jurisdicional efetiva (cfr. art.° 20.º da CRP), e contrariar frontalmente os princípios gerais do direito comunitário nesta matéria, em especial o direito dos lesados a uma indemnização suficiente, independentemente do país em que sofram o acidente. Em sede judicial, em ordem a alcançar uma decisão materialmente justa, impõe-se fixar a indemnização devida aos lesados em acidentes de viação como em qualquer outra situação, com base no dano concreto efetivamente sofrido, apurado a partir da análise e valoração de todos os elementos de prova admissíveis em direito, com respeito pelos referidos princípios basilares constitucionais e de direito comunitário, não aplicando as regras contidas nos n.°s 7 a 9 do citado art.° 64°, por materialmente ofensivos desses princípios cuja superioridade impõe a sua obser- vância em detrimento da aplicação destes normativos legais. Nesta conformidade, no caso dos autos, será com base no rendimento realmente auferido pelo autor aquando do acidente de que foi vítima, apurado a partir da análise e valoração dos diversos elementos probatórios produ- zidos nessa matéria, que será fixada a indemnização que lhe é devida tanto pela perda de rendimentos em conse- quência de incapacidade temporária, ora em apreço, como pela perda de capacidade de ganho em consequência de incapacidade permanente e consequentes esforços acrescidos no exercício da profissão, a seguir apreciada. (…).» 4. É desta decisão que o Ministério Público interpõe o presente recurso, apresentando alegações, onde conclui, nos termos seguintes:

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