TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
387 acórdão n.º 379/12 matéria, impunha o abandono da designação “crime de falsidade”, por ter desaparecido esta categoria gené- rica, de forma alguma aconselhava a nova designação, se a intenção fosse deixar substancialmente tudo como dantes. Na verdade, a fórmula “crime de falsas declarações perante oficial público” está patentemente mais próxima da que designa o crime de “falsas declarações perante a autoridade”, previsto e punido, ante- riormente à citada revisão, no artigo 242.º, e que passou a integrar um novo capítulo, referente aos “crimes contra a realização da justiça”, aí dando corpo a um segmento do artigo 402.º Esta norma, abandonando a distinção entre as inquirições contenciosas e não contenciosas, incriminava (também) o falso testemunho e as falsas declarações «perante tribunal ou funcionário competente para receber, como meio de prova, os seus depoimentos (…)». Tal funcionário, tratando-se da elaboração de uma escritura pública, só poderia ser, à época, uma autoridade ou um oficial público. Em face do exposto, tem boas razões por si a conclusão de que reveste caráter inovatório a alteração introduzida no Código do Notariado em 1990 e mantida na versão atual, o que, nesse pressuposto, acarreta, dada a inexistência de autorização legislativa, lesão ao princípio da legalidade penal, na sua dimensão formal. Na verdade, a norma constante do artigo 97.º do Código do Notariado (como já, antes dela a do artigo 106. º) só fica completa quando lida em conexão e integrada pela norma sancionadora para que remete e onde consta a moldura penal aplicável ao crime nela tipificado. Incriminação e punição estão em “norma- tiva conexão” e formam uma “unidade intencional”, «já que se o delito implica uma certa e correspondente sanção, a sanção pressupõe um certo e correspondente delito» (Castanheira Neves, O princípio da legalidade criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático , Coimbra, 1988, p. 6, n.º 1). Daí que a alteração da norma para que é feita a remissão, com a consequente alteração da punição, importe inevitavelmente uma mudança substancial do alcance da norma do artigo 97.º, por confronto com o que dispunha o anterior artigo 107.º, devendo ser-lhe atribuído caráter inovatório. Tal conclusão só não é perentória e de fundamento incontroverso porque, não obstante o entendimento acima expresso, pode subsistir alguma margem de dúvida quanto à identificação do crime para que remetia o artigo 107.º de Código do Notariado, na redação original deste diploma, como sendo o de falsificação intelectual de documento. Ora, resultando o caráter inovador ou não da atual formulação da sua comparação com a que lhe antecedeu, só uma certeza firme quanto ao alcance dos dois termos de comparação permite uma conclusão segura. De todo o modo, embora não esteja vedado à jurisdição constitucional, neste contexto e com esta finali- dade, pronunciar-se por um determinado sentido interpretativo da normação ordinária, essa pronúncia não é aqui estritamente necessária. Na verdade, todos os fatores que dificultam a identificação segura dos crimes para que remetem as sucessivas normas de incriminação (dificultando, com isso, o juízo quanto ao caráter inovatório) são outros tantos fatores que, inversamente, robustecem a conclusão de que nos encontramos perante uma violação do princípio da legalidade penal, na sua dimensão material. É o que, de seguida, veremos. 9. O primeiro dado a ter em conta, nesta segunda vertente da questão, é o de que, como certeiramente ajuizou o acórdão recorrido, o tipo para que o artigo 97.º remete «não corresponde à epígrafe, nem ao con- teúdo, de qualquer incriminação do Código Penal ou de qualquer legislação extravagante que se conheça (…)». O estabelecimento de correspondência entre a fórmula “crime de falsas declarações perante oficial público” e um determinado tipo legal de crime é, assim, tarefa interpretativa, que, no entanto, se depara com dificuldades e incertezas incompatíveis com o princípio da legalidade, na vertente de nulla poena sine lege certa . O princípio da tipicidade, como corolário do princípio da legalidade penal, contém, entre outras, a « exigência de determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra diretamente da lei» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , I, 4.ª edição, p. 495). Deste ponto de vista, lex certa será aquela que se apresenta determinada, não apenas
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