TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com as alterações introduzidas no Código de Notariado pelo Decreto-Lei n.º 67/90, de 1 de março, este tipo legal de crime passou a constar do artigo 106.º do referido Código, com a seguinte redação: Artigo 106.º ( Advertência aos outorgantes) Os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura. Esta redação foi transposta integralmente para o artigo 97.º do Código do Notariado em vigor, que dá corpo à norma cuja aplicação foi recusada pelo acórdão recorrido, por inconstitucionalidade decorrente de alegada violação do princípio da legalidade penal consagrado no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). O Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, que aprovou o atual Código do Notariado, foi emitido no uso de competência própria do Governo [prevista hoje, após a 4.ª revisão constitucional, no artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da CRP], e não ao abrigo de lei de autorização. Ora, é exigência primária do princípio da legalidade penal que a incriminação e a pena constem de lei formal ou de decreto-lei autorizado, atendendo ao disposto no artigo 29.º, n.º 1, da CRP e também à inte- gração na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos.» Em face destes dados, a conformidade constitucional da norma do artigo 97.º do Código do Notariado só permanecerá intocada se puder ser sustentado o caráter não inovador dessa norma, em confronto com as suas versões anteriores. Na verdade, tendo a primeira formulação da norma incriminatória surgido na versão originária do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 619, de 31 de março de 1967 – logo, um diploma anterior à Constituição de 1976 – o vício de constitucionalidade orgânica estará afastado, desde que possa ser convincentemente alegada uma linha de continuidade na evolução legislativa posterior, uma correspondência substancial do conteúdo regulador da disposição originária com o das normas resultantes das alterações posteriores. Efetivamente, é jurisprudência constante deste Tribunal que não resulta ferida a reserva relativa de competência da Assembleia da República se as normas constantes de diploma gover- namental, em matéria dentro dessa reserva, não criarem um regime materialmente diverso daquele que anteriormente vigorava por força de diplomas legais emanados de órgão competente (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 114/08). Começaremos por avaliar se foi esse aqui o caso. 7. A questão já foi desenvolvidamente apreciada no Acórdão n.º 340/05, que, considerando não inova- tório o regime do artigo 97.º do Código do Notariado, decidiu, em aplicação daquela orientação, não julgar organicamente inconstitucional a norma em causa. O mencionado aresto começou por comparar as pequenas diferenças de redação entre o artigo 107.º da versão originária do Código do Notariado e o atual artigo 97.º do mesmo diploma, no que concerne à fixa- ção dos elementos de incriminação, tendo concluído que essas alterações «não se afiguram relevantes, pare- cendo resultar de mera alteração de estilo sem aptidão para consubstanciar uma modificação do conteúdo da norma que no preceito se contém». Subscrevemos inteiramente este juízo. De facto, dessas diferenças – todas, praticamente, atinentes às for- mas verbais ou aos referentes terminológicos utilizados – não resulta alteridade do comportamento punido. É exatamente o mesmo, em todos os elementos constitutivos, o tipo de conduta que se incrimina. Mas as duas normas também divergem no que diz respeito à determinação da pena aplicável à conduta nelas tipificada. Embora ambas se sirvam de uma técnica remissiva, para outra norma sancionadora, o artigo

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