TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

377 acórdão n.º 377/12 disciplina legal aqui prevista não respeita, direta e globalmente, ao exercício da profissão de técnico oficial de contas. Reguladas são apenas as condições em que um técnico assume uma contabilidade anteriormente a cargo de um outro. A responsabilidade em que pode incorrer o técnico que não cumpra o dever que, nesta circunstância, lhe é fixado, representa uma disciplina pontual de uma envolvente relacional “externa” ao exercício profissional, propriamente dito, não interferindo com os modos de o levar a cabo. Não se situa, nessa medida, no âmbito de proteção de nenhuma das dimensões garantísticas da liberdade de exercício da profissão – cfr., quanto aos direitos em que se desdobra esta liberdade, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , pp. 967-968. É certo que, em caso de persistente recusa do pagamento dos valores em dívida ao técnico que cessa funções, a única forma de o indigitado sucessor evitar que aquele lhe possa exigir esse pagamento é abster-se de lhe suceder na prestação dos serviços. Com isso, perde uma oportunidade de exercício profissional. Mas tal representa apenas um efeito reflexo de uma disciplina que não tem, em si mesma, eficácia conformadora ou incidência no conteúdo dos direitos que dão expressão à liberdade de exercício da profissão. Mais não é do que um dado circunstancial que cria um sério obstáculo ao estabelecimento de uma nova relação profissional, mas deixa intocada a liberdade de exercício, plenamente atuável em todas as direções relacionais em que não se verifique esse obstáculo. Assim sendo, há que concluir que o n.º 2 do artigo 56.º do ETOC não dispõe sobre o direito de livre exercício da profissão, consagrado no artigo 47.º da Constituição e, consequentemente, não se inclui na reserva relativa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, tendo-se por não verificada a invocada inconstitucionalidade orgânica. III − Decisão Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 56.º, n.º 2, do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro); b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformu- lada em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade. Lisboa, 12 de julho de 2012. – Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – José da Cunha Barbosa ( vencido nos termos da declaração de voto da Exm.ª Conselheira Catarina Sarmento e Castro, que acompa- nho) – Catarina Sarmento e Castro ( vencida, nos termos da declaração que junto) – Rui Manuel Moura Ramos. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Fiquei vencida quanto à decisão de não julgar inconstitucional a norma contida no segmento final do n.º 2 do artigo 56.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, na sua redação originária. A meu ver, tal norma é organicamente inconstitucional, por extravasar a extensão da autorização con- ferida pela Lei n.º 126/99, de 20 de agosto, violando assim o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , com referência ao artigo 47.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa. 2. Esta norma associa ao incumprimento do dever dos técnicos oficiais de contas, quando assumam a responsabilidade por contabilidades anteriormente a cargo de outro técnico oficial de contas, de se certifi- carem que os valores provenientes da sua execução estão inteiramente satisfeitos ao técnico oficial de contas cessante, a consequência de se assumirem perante este pelos montantes em falta.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=