TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL associação pública (Câmara), à sua organização, atribuições ou competências, e nem sequer diz respeito ao estatuto dos seus associados. Não se trata, por isso, de matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na primeira parte da alínea s) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 8. Importa agora verificar se a norma em questão consubstancia uma intervenção legislativa no domínio dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, deve considerar-se incluída na reserva legislativa atribuída à Assembleia da República pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º A reserva legislativa prevista nesta alínea b) abrange todos os direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição, incluindo o direito de liberdade de escolha da profissão, consagrado no n.º 1 do artigo 47.º, aqui relevante na dimensão da liberdade de exercício de profissão. Como salientam Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 967, «não obstante o artigo 47.º, n.º 1, só se referir ao direito de escolha livre da profissão ou do género de trabalho, a escolha, que toca a questão do se uma profissão é assumida, continuada ou abandonada ( realização de substância), pressupõe o exercício, que se refere á questão do como (realização da modalidade), da mesma maneira que a segunda de nada valeria sem a primeira». Cumpre, ainda, lembrar que este Tribunal Constitucional tem entendido a reserva legislativa parlamen- tar em matéria de direitos, liberdades e garantias como abrangendo «tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições do direito em causa» (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 128/00 e 255/02, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ; e, no mesmo sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 327). O que significa que a reserva de lei não incide apenas sobre verdadeiras e próprias restrições, mas também sobre limites imanentes da liberdade de profissão (cfr. Acórdão n.º 255/02). 9. Assim definido o âmbito da reserva legislativa parlamentar, importa agora avaliar se a norma aqui em questão consubstancia uma intervenção legislativa em matéria de direitos, liberdades e garantias, mais concretamente, em matéria de liberdade de exercício da profissão. Embora a epígrafe do artigo 56.º do ECTOC anuncie que o preceito trata dos “deveres recíprocos” dos técnicos oficiais de contas, a verdade é que o seu n.º 2 coenvolve a disciplina de uma relação com terceiro: a sociedade dadora do serviço de contabilidade, anteriormente prestado por um técnico oficial de contas e que passa a ser executado por um outro. Visando a garantia do pagamento dos honorários devidos ao primeiro, determina-se que essa relação de prestação de serviços não pode ser assumida pelo segundo sem que este se certifique que estão integralmente satisfeitas as importâncias a que aquele, por força dessa relação, tinha direito, sob pena de ser responsabilizado pelo seu pagamento. O que a norma pretende é regular a relação estabelecida entre os técnicos oficiais de contas e as empresas para quem estes prestam serviços de contabilidade, criando uma garantia, no interesse de todos os profis- sionais e de um bom funcionamento da concorrência no mercado, de que, com o termo dessa relação, não fiquem por cumprir débitos que correspondem a custos de exercício empresarial. O interesse do técnico que assume funções em não ser responsabilizado é instrumentalizado para instigar a que a entidade dadora do serviço cumpra as suas obrigações perante o técnico cessante, pois o cumprimento, por todos os destinatá- rios, do dever fixado na norma impugnada obstaculiza o acesso, pela entidade em falta, a um serviço que lhe é indispensável. Está fundamentalmente em causa uma situação específica atinente às relações entre os téc- nicos oficiais de contas e as entidades para quem prestam serviço − a sucessão no exercício de funções numa mesma entidade −, intentando-se evitar que, através dessa mudança, a entidade empresarial logre manter tais serviçosde contabilidade (que, muitas vezes, lhe são legalmente exigidos) sem satisfazer integralmente as suas obrigações perante o técnico oficial de contas cessante. Sendo esta a dimensão relacional que aqui avulta, não pode entender-se que estamos perante uma regulação legal de “conteúdo profissional” ou que diretamente interfira com o exercício da profissão, pois a
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