TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tutela jurisdicional efetiva que se extrai do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP), o direito de recorrer de decisão judicial por parte de quem não tenha sido participante (parte) no processo que lhe deu origem. Improcedendo a alegação de que a norma viola o princípio do fair trial, da igualdade e da igualdade de armas, comparando o estatuto processual da recorrente com o do Ministério Público e com o do extra- ditado, os quais têm o direito ao recurso. Diferentemente destes, a União Indiana não é uma outra parte ( participante) processual ou um outro sujeito do processo judicial de averiguação da violação do princípio da especialidade, sem prejuízo de ter participado neste processo através de um representante designado para o efeito, numa base de reciprocidade e de cooperação com o Estado que lhe presta auxílio judiciário (cfr. infra ponto 11.). 11. A recorrente alega, ainda, que a «norma extraída dos artigos 47.º, n.º 4, e 58.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e do artigo 401.º, n.º 1, alínea d) , do Código de Processo Penal, segundo a qual não tem legitimidade para recorrer de uma decisão condenatória que afeta os seus direitos o Estado reque- rente de um processo de extradição que sempre interveio no referido processo a solicitação das competentes autoridades judiciais, designadamente respondendo a recursos interpostos por outros sujeitos processuais», viola os «princípios da boa fé, da confiança e da segurança jurídica, inerentes ao Estado de direito e corolários do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo, vertidos nos artigos 2. º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem». Face ao já dito, a argumentação da recorrente é improcedente. A alegada violação daqueles princípios assenta, toda ela, no estatuto de parte processual ou de sujeito processual – um estatuto que o Estado requerente do pedido de extradição não teve, nem poderia ter, no processo judicial em que se averiguou a violação do princípio da especialidade (cfr. supra pontos 7. e 8. da Fundamentação); no conteúdo condenatório da decisão recorrida – natureza que lhe é estranha na medida em que não se trata de decisão proferida contra a União Indiana ou que direta e efetivamente a prejudique, apesar de concluir pela violação daquele princípio (cfr. supra ponto 9.); e na criação de expectativas quanto à recorribilidade da decisão, face ao comportamento processual das instâncias judiciais portuguesas – expecta- tivas que a recorrente não podia ter, face ao estatuto de participante, para os efeitos e nos termos previstos no artigo 47.º da Lei n.º 144/99, e ao conteúdo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2007, a que o acórdão do Tribunal da Relação de 14 de setembro de 2011 deu cumprimento (cfr. infra e supra pontos 2. do Relatório e 9. da Fundamentação). A relação entre os Estados soberanos envolvidos na extradição, requerente e requerido, é de cooperação na luta contra o crime, havendo ganhos ao nível da celeridade e da eficácia se o Estado requerente participar na fase judicial do processo, nos termos previstos no artigo 47.º da Lei da cooperação judiciária internacio- nal em matéria penal (é isto que se invoca na Proposta de Lei n.º 251/VII que lhe deu origem, Diário da Assembleia da República , II Série-A, Número 45, de 18 de março de 1999, pp. 1221 e segs.). Bem como se participar no processo judicial em que se averigue, na ordem jurídica do Estado requerido, a violação do princípio da especialidade. Trata-se, porém, de uma mera participação que não permite a qualificação do Estado requerente como sujeito do processo ou sequer como participante processual. O Estado requerente não é titular de direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final ( sobre o conceito, Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in O Novo Código de Processo Penal , Almedina, 1988, p. 9). O Estado requerente participa, garantida que esteja a reciprocidade, através do “contacto direto com o processo” e fornecendo “ao tribunal os elementos que este entenda solicitar” – de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 47.º da Lei n.º 144/99, uma das disposi- ções legais a que se reporta a norma em apreciação. Não se lhe estendem, nomeadamente, as regras sobre a audição do extraditando, a oposição do extraditando e a produção da prova (artigos 54.º, 55.º e 56.º da Lei n.º 144/99).
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