TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pedido do Estado requerente. Ao incluir na reserva de juiz a decisão positiva de extraditar – a decisão nega- tiva pode ser tomada previamente no processo administrativo (artigo 48.º da Lei n.º 144/99) – e ao fazê-lo no capítulo dos direitos liberdades e garantias, é a proteção do extraditando perante o Estado, no exercício por parte deste do poder-dever de prestar auxílio judiciário em matéria penal, que a CRP garante (artigo 33. º, n.º 7). No plano da ordem jurídica interna, na fase judicial do processo de extradição, o Estado reque- rente não se confronta com o Estado requerido, antes se identificam, uma vez que está em causa o exercício estadual de poderes de jurisdição contra o agente da prática do crime, no âmbito de um mecanismo que é de cooperação judiciária. O que arreda uma qualquer conformação processual em que o Estado requerente desempenhe o papel de parte (participante) processual. Não fica excluído, porém, que a vertente política da extradição – onde se jogam as relações entre Estados soberanos – se possa sobrepor à judicial, no sentido de o Governo poder não entregar depois de a extradição ter sido judicialmente decidida de forma positiva, nomeadamente face a uma alteração de circunstâncias por referência ao momento em que o pedido de extradição foi deferido administrativamente (artigos 48.º e 50.º da Lei n.º 144/99). Caso em que a exigência constitucional de uma decisão judicial positiva de extradição é vista “não como uma imposição definitiva e vinculante para o executivo, mas antes como uma mera condição relativamente a uma atuação político-administrativa subsequente”, fundada em valorações de “oportunidade política” (cfr., respetivamente, Mário Mendes Serrano, “Extradição. Regime e praxis”, in Cooperação Inter- nacional Penal , Centro de Estudos Judiciários, 2000, pp. 75 e segs. e Mario Chiavario, Diritto Processuale Penale. Profilo Istituzionale , Utet, pp. 628 e 630. No mesmo sentido já Carlos Fernandes, A Extradição e o Respetivo Sistema Português , Coimbra Editora, 1996, pp. 19, 54 e segs. e 91 e seg.). O mesmo tipo de valora- ções que, afinal, ditam a decisão administrativa de indeferimento liminar do pedido de extradição, nos ter- mos do disposto no n.º 2 do artigo 46.º da Lei n.º 144/99, segundo o qual a fase administrativa é destinada à apreciação de tal pedido para o efeito de decidir se ele pode ter seguimento ou se deve ser liminarmente indeferido por razões de ordem política ou de oportunidade ou de conveniência, sendo o processo arquivado em caso de indeferimento (artigo 48.º, n.º 3, daquela Lei). 8. Independentemente da forma como a questão da violação do princípio da especialidade seja enqua- drada, seja ou não vista como um incidente da entrega do extraditado que ainda integra a fase judicial do processo de extradição, valem para o processo judicial que deu origem ao presente recurso as considerações acabadas de fazer. Apesar de o acórdão cuja recorribilidade está em causa ser no sentido da violação daquele princípio por parte da União Indiana, resolvendo a autorização concedida para a extradição do recorrido, a decisão judicial não obriga, por si só, à devolução do extraditado. O princípio da especialidade, segundo o qual o extraditado não pode ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenações anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de extradição (artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99), é um princípio internacionalmente reconhecido mediante o qual se protege a soberania do Estado requerido e se garante a proteção do extraditado (sobre isto, Gregory B. Richardson, The principle of speciality in extradi- tion e Dominique Poncet/Paul Gully-Hart, “Le principe de la specialité en matiere d’extradition”, in Revue Internationale de Droit Penal , 1991, respetivamente pp. 86 e 201 e segs.). A questão da violação do princípio supõe, por isso, dois planos distintos: o das relações entre o Estado requerente e o Estado requerido, de base eminentemente política; e o das relações entre o Estado requerente e o extraditado, relativamente às quais se problematiza a forma de este fazer valer contra aquele a garantia que o princípio da especialidade representa para o extraditado (cfr. supra ponto 2. da Fundamentação e aqueles autores, pp. 86 e segs. e 217 e segs., respetivamente). Quando esteja em causa o plano em que se estabelecem as relações entre o Estado requerente e o extra- ditado, ainda que se averigue a violação do princípio da especialidade na ordem jurídica interna do Estado requerido, no âmbito de um processo judicial, promovido pelo extraditado – o que sucedeu nos presentes autos, sem que a admissibilidade desta via fosse pacífica (cfr. supra ponto 2. da Fundamentação) –, o Estado

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