TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
367 acórdão n.º 360/12 se lê que “os problemas que se debatem a propósito das pessoas coletivas estrangeiras residem essencialmente no estatuto das pessoas coletivas públicas, não nacionais, admitindo-se que a lei possa limitar nestes casos os seus direitos de acordo com o interesse público atinente à soberania nacional”). 6. Nos presentes autos quem invoca o direito fundamental de acesso aos tribunais é uma pessoa coletiva pública de direito internacional. A invocação é feita na veste de Estado requerente de um pedido de extra- dição, já depois da entrega do extraditado, no âmbito de um processo judicial no qual foram apreciadas e decididas duas questões postas pelo recorrido/extraditado A.: a de saber se “tendo em conta o pedido formu- lado pela União Indiana, a posição sobre ele assumida pela Senhora Ministra da Justiça no despacho de 28 de março de 2003 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2005, o aditamento à acusa- ção feito no processo RC.1(S)/93/CBI/STF/MUMBAI violará o princípio da especialidade”; e a de saber se, “ em caso afirmativo, qual deverá ser a consequência dessa violação à luz do direito português” (acórdão do Tribunal da Relação de 14 de setembro de 2011, concretamente fl. 585 dos presentes autos). Considerando a natureza jurídica da extradição e o teor da decisão cuja recorribilidade está em questão, no que toca à consequência da violação do princípio da especialidade, torna-se, porém, irrelevante indagar se a norma que importa apreciar ainda se inscreve na liberdade que o legislador tem de conformar a matéria dos recursos, bem como saber se aquela pessoa coletiva pública é titular do direito fundamental invocado ( cfr. supra pontos 3. e 4. da Fundamentação). E, consequentemente, é dispensável a indagação quanto à existência, no caso, de uma “conexão mínima” com o ordenamento jurídico português que possa justificar a equiparação da União Indiana às pessoas coletivas públicas portuguesas (sobre esta exigência, cfr. Acórdão n.º 365/00, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . 7. Fundando-se na “solidariedade entre Estados na luta contra o crime ( punire aut dedere )” – Albino Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público , Coimbra Editora, 1981, p. 243 –, a “extradição é o facto pelo qual um Governo remete um indivíduo que se refugiou no seu território ao Governo de um outro Estado para que ele aí seja julgado pelos respetivos tribunais, ou, quando aí já tenha sido julgado, para cum- prir a pena que lhe foi aplicada” (Eduardo Correia, Direito Criminal , I, Reimpressão, Almedina, p. 183). É uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal entre Estados, particularmente relevante face ao princípio geral da territorialidade em matéria de aplicação da lei penal no espaço, que serve dois sobe- ranos: “o Estado que requer a extradição do agente – e que, necessariamente, terá de ter competência para o punir de acordo com a sua lei nacional – consegue exercer o seu ius puniendi e, por outro lado, o Estado que extradita não alberga, no seu território, um agente criminoso” (Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris poenalis) , Coimbra Editora, p. 105). Enquanto forma de cooperação judiciária entre Estados soberanos, que tem no princípio da recipro- cidade um dos seus pilares fundamentais, a extradição exclui, naturalmente, um qualquer procedimento conducente à entrega do extraditando em que o Estado requerente surja perante o Estado requerido numa situação de confronto processual. A extradição supõe aqui dois planos distintos: o das relações entre Estados soberanos, o requerente e o requerido, de base eminentemente política, que tem como palco principal a ordem jurídica internacional; e o das relações entre o Estado que defere administrativamente o pedido de extradição e o extraditando, de natureza necessariamente judicial (artigo 33.º, n.º 7, da CRP), que tem como palco a ordem jurídica interna do Estado requerido (em geral, supõe ainda o plano onde se jogam as relações entre o Estado requerente e o extraditado, infra ponto 8.). No processo judicial de extradição, o Estado requerido não exerce propriamente o seu ius puniendi . Este processo releva antes do poder-dever estadual de prestar auxílio judiciário em matéria penal, no âmbito do que se pode denominar jurisdição judicativa adjuvante (assim, Pedro Caeiro Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do Estado. O caso português , Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp. 41 e segs.). Está em causa o exercício do ius puniendi por parte de outrem a quem se presta auxílio, o que aponta para uma conformação processual em que o Estado requerido confronta o extraditando com o objetivo de cumprir o
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