TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
365 acórdão n.º 360/12 o princípio do fair trial e da igualdade de armas, na medida em que se concede o direito ao recurso ao extra- ditado e ao Ministério Público. A alegação de inconstitucionalidade da norma assenta no desrespeito do direito de acesso aos tribunais, na medida em que é vedada ao Estado requerente de um processo de extradição, já depois da entrega do extraditado, a possibilidade de recorrer de decisão que conclua pela violação do princípio da especialidade, acedendo a um segundo grau de jurisdição. Importa notar, desde logo, que o direito de acesso aos tribunais que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º da CRP) não tem sido densificado no sentido de decorrer da norma constitucional um direito geral ao recurso, com o consequente dever de o legislador consagrar, em regra, um duplo grau de jurisdição. “A existência de limitações à recorribilidade funciona como um mecanismo de racionalização do sistema judiciário e por isso se aceita que o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à definição dos requisitos e graus de recurso” (Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 399/07 e jurisprudência aí citada, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Sem prejuízo de se dever entender que a CRP pressupõe a recorribilidade das decisões dos tribunais ao aludir a instâncias, estando, por isso vedado ao legislador “abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente atra- vés da consagração de soluções que restrinjam de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos recursos” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto XXI. E, ainda, Lopes do Rego, “Acesso ao direito e aos tribunais”, in Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional , Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, pp. 80 e segs. Na jurisprudência constitucional Acórdãos n. os 638/98, 202/99 e 415/01, disponíveis naquele sítio). Por outro lado, é questionável se o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ( artigo 20.º da CRP) é invocável enquanto parâmetro de aferição da conformidade constitucional de norma que dita a ilegitimidade de Estado requerente de um processo de extradição, já depois da entrega do extradi- tado, para recorrer de decisão judicial que conclua pela violação do princípio da especialidade. Está em causa a invocação de um direito fundamental por parte de uma pessoa coletiva pública, de direito internacional ( um Estado estrangeiro), tratando-se de um direito, dirigido contra o Estado, que existe especificamente para a defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos das pessoas. 4. Face ao preceituado no artigo 12.º, n.º 2, da CRP – as pessoas coletivas gozam dos direitos consignados na Constituição compatíveis com a sua natureza – o Tribunal tem entendido que o gozo do direito de acesso ao direito e aos tribunais é compatível com a natureza das pessoas coletivas privadas (é o que decorre dos Acórdãos n. os 539/97 e 174/00 e, mais recentemente, 216/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Na doutrina, Jorge Miranda/Rui Medeiros , ob. cit. , anotação ao artigo 20.º, ponto IX, a propósito do direito à proteção jurídica). Em geral, decorre da jurisprudência constitucional que não há qualquer equiparação, ainda que formal, da personalidade coletiva à personalidade singular; que o ser ou não ser compatível com a natureza das pessoas coletivas depende, além da natureza da pessoa coletiva, da natureza de cada um dos direitos fun- damentais, sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas – v. g. o direito à vida e o direito de constituir família; e que ainda que certo direito fundamental seja compatível com a natureza da pessoa coletiva, daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio se vá operar exatamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares – v. g. o direito ao sigilo da correspondência e à inviolabilidade do domicílio (cfr. Acórdãos n. os 198/85, 539/97, 569/98, 593/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ). Já o gozo de direitos fundamentais por parte de pessoas coletivas públicas gera controvérsia na doutrina e na jurisprudência, nacional e estrangeira, sendo uma questão particularmente pertinente em países, como a Alemanha e a Espanha, onde a fiscalização da constitucionalidade tem lugar por via da queixa constitucional ou do recurso de amparo (especificamente sobre este aspeto, Díaz Lema, “Tienen derechos fundamentales las personas jurídico-publicas?”, in Revista de Administracion Publica , 1989, n.º 120, pp. 87 e segs., e Iñaki Las- gabaster, “Derechos fundamentales y personas jurídicas de derecho publico”, in Estudios sobre la Constitucion
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