TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Aliás, sublinhe-se marginalmente, a irrecorribilidade posterior à decisão final é, também, o regime fixado em matéria de mandado de detenção europeu – artigo 24.º n.º 1 b) , da Lei n.º 65/2003, de 23/8, o que não deixa de espelhar o que é uma linha de coerência sistémica de coerência processual caracterizando o nosso direito interno vocacionado à cooperação internacional. O processo de extradição comporta uma fase administrativa e uma fase judicial, nos termos dos artigos 47.º e 49.º e segs., respetivamente, iniciando-se a última mediante a apresentação do pedido e elementos documentais que o acompanharam ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação competente. A questão da violação pela União Indiana do princípio da especialidade é um incidente da entrega, regulada no artigo 60.º da Lei n.º 144/99, de 30/8 e em conexão com a extradição decretada, ainda dentro da fase judicial, tanto assim que a sua resolução é desencadeada ante a entidade judiciária; estar o direito ao recurso como que em letargia, até surtir agora, é argumento que não convence, salvo melhor entendimento. Por outro lado, como é bom de ver, não é a maior ou menor extensão dos atos praticados no processo pelo Estado requerente que acaba por conduzir ao reconhecimento de sujeito processual, já que não perde a veste de mero participante, adquirindo, posteriormente, um estatuto parificado com o Ministério Público ou o extradi- tando, havendo, antes, uma perpetuatio qualitatis . A sua posição é a de fornecer elementos que lhe sejam peticionados pelo tribunal, de auxiliá-lo, e não já aqueles que, de seu livre alvedrio, entenda dever praticar. Nada tem, de resto, de ponderosa a intervenção no processo, oferecendo em 6 de agosto de 2007, resposta ao recurso admitido do acórdão da Relação, porque não é uma participação, ainda que mais ou menos alargada, consentida ou sob amiúde e incontrolada iniciativa, que lhe dá o direito adquirido de se transmutar em sujeito processual de pleno e autoproclamar-se com esse nomen . Essa intervenção, se não consentida, não se reconduz à ofensa ao princípio da confiança, postulando a ideia de proteção dos cidadãos e da comunidade, na ordem jurídica e na atuação do Estado, implicando um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente confiadas (Acordão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27de março de 2007, Rec.º n.º 7A760), proibindo afetações arbitrárias ou desproporcionadamente gravosas com as quais o cidadão comum minimamente avisado, não pode razoavelmente contar – cfr., ainda, os Acordãos do Tribunal Constitucional n. os 303/90, 625/98 e 160/100. A União Indiana não podia, razoavelmente, ignorar o teor daquela norma limitativa da sua intervenção, porque é bem claro o preceito que assim a trata ab initio , não sendo, pois, colhida de surpresa, sem embargo de, na fase administrativa, a proibição não vigorar. E nem se advogue, a fundar o recurso invocando a afetação de direitos (artigo 401.º n.º 1, do CPP) – que do lado da União Indiana não serão direitos fundamentais, de defesa, os que estão em causa, mas apenas os de garantia de praticabilidade em maior âmbito do seu jus puniendi , isto a considerar-se que ofendeu o princípio da especiali- dade, atitude a que, adiante, se dedicará reflexão. Desde logo isso mesmo ressalta do artigo 400.º n.º 1, alíneas a) a 1), do CPP. Não obstante o direito ao recurso se inserir no âmbito do direito de defesa, e uma das suas mais importantes manifestações limitando o poder do Estado de suprimir tribunais de recurso, porque o direito ao recurso não é um direito ilimitado, à luz da lei e da jurisprudência constitucional – cfr. o Acordão n.º 31/87, de 28 de janeiro de 1987, Diário da República II série, de 1 de abril de 1987. E essa restrição recurso tem uma amplitude que se analisa numa tríplice dimensão: não há um direito irrestrito ao recurso de todos os despachos e sentenças que afetem os interesses e direitos dos sujeitos e participantes proces- suais, admitindo-se, nas palavras daquele Acordão n.º 31/87, que a faculdade de recorrer possa ser restringida ou limitada em certas fases do processo e que mesmo em relação a certos atos do juiz possa mesmo não existir; não há um direito irrestrito ao recurso com esgotamento de todas as instâncias previstas pela lei e, por fim, não há um direito à audiência de julgamento em recurso, como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, p. 1036, 4.ª edição, da UCP. A União Indiana, in casu , não é detentora de quaisquer direitos fundamentais ou parcela de liberdade indivi- dual, afetados, decorrentes de tratado internacional, desrespeitados por Portugal, demandando, por isso mesmo,

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