TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

349 acórdão n.º 350/12 poderes públicos cumpram as tarefas a que estão adstritos por força da dimensão objetiva do princípio que o artigo 20.º consagra, dimensão essa que implica o dever de erigir instituições, definir procedimentos e emitir em geral normas que tornem possível o acesso ao tribunal e ao processo justo. Nesta ineliminável dimensão objetiva do princípio contido no artigo 20.º da CRP, e que tem como des- tinatário geral o próprio Estado, incluem-se ordens de regulação que se dirigem especificamente ao legislador ordinário. O princípio da tutela jurisdicional efetiva, enquanto elemento integrante da ideia de Estado de direito, exige desde logo que o legislador defina as regras do processo, seja ele civil, penal ou administrativo. E obriga-o a ter em conta, no modo de definição dessas regras, todas as dimensões que compõem o imperativo constitucional de edificação de um processo justo, fazendo-as concordar praticamente. 3. As normas do processo de insolvência integram o domínio mais geral das normas de processo civil. No entanto, detêm, dentro deste âmbito, um cunho específico, o que aliás terá levado a que, a partir de 1993, o legislador tivesse optado por coligi-las autonomamente, com a elaboração do Código da Insolvência. A especificidade reside na densa responsabilidade que tem todo o direito da insolvência na garantia da fluidez do tráfego jurídico, pelo objetivo precípuo, que tal direito prossegue, de pôr à disposição dos credores ins- trumentos jurídicos eficientes que possibilitem a satisfação dos seus créditos. O imperativo constitucional de edificação de um processo justo, no que a este específico processo respeita, não pode por isso ser recortado sem que se considere esta última componente, que integra portanto o conteúdo da ordem de regulação que impende sobre o legislador ordinário. De forma a garantir a efetividade do exercício do direito a um pro- cesso justo, este último está obrigado, no que ao direito da insolvência diz respeito, a erigir instituições e a definir procedimentos que tenham em conta, não apenas a defesa dos interesses substanciais e processuais do devedor, mas ainda a defesa dos interesses dos credores (em cumprimento, ainda, da garantia objetiva do património privado inserta no n.º 1 do artigo 62.º da CRP), e, concomitantemente, da própria comunidade. 4. É, pois, à luz destes critérios que se deve saber se a norma sob juízo no caso concreto viola o disposto no n.º 4 do artigo 20.º Não penso que assim seja. A obrigatoriedade, para o devedor-oponente, de juntar, ao requerimento de oposição, a lista dos cinco maiores credores, visa facilitar a ação do tribunal. Mais precisamente, visa propiciar- - lhe a informação que é necessária para que, sendo caso disso, se faça o chamamento dos ditos credores ao pro- cesso. Trata-se de uma exigência compreensível, no contexto de uma política legislativa toda ela inspirada pela necessidade de arquitetar, nestes domínios, processos céleres e eficazes na satisfação dos créditos. Tal política é, face às coordenadas jurídico-constitucionais dentro das quais se move, nestes domínios, a margem de livre conformação do legislador, perfeitamente legítima. Por outro lado, o ónus que impende sobre o devedor – de indicação dos seus maiores credores – não é um ónus pesado, ou de árduo e difícil cumprimento. Por regra não o será nunca: ninguém, melhor do que o devedor, conhecerá o universo dos credores. Mas não o será especial- mente naquela fase do processo em que o mesmo devedor apresenta a sua oposição à declaração de insolvência. Naturalmente que não estava o legislador ordinário obrigado a seguir a solução que seguiu. A exigência de que o devedor faça a indicação dos seus cinco maiores credores no momento em que se opõe à declaração da sua insolvência é uma exigência nova, feita pelo novo Código da Insolvência. Não a continha o regime antes vigente, que exprimia portanto uma diferente (mas igualmente legítima) escolha do legislador. Mas a verdade é que tal exigência nova se compreende ainda no contexto de prossecução de uma política legislativa que, face aos parâmetros constitucionais que lhe são aplicáveis, me não parece merecer qualquer censura. – Maria Lúcia Amaral. Anotação: 1 – Os Acórdãos n. os 1193/96 , 122/02 , 556/08 e 20/10 estão publicados em Acórdãos , 35. º, 52.º, 73.º e 77.º Vols., respetivamente. 2 – Os Acórdãos n. os 403/02 e 508/02 estão publicados em Acórdãos, 54.º Vol..

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