TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

348 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ainda que o legislador possa arquitetar o processo de insolvência segundo critérios de simplicidade e cele- ridade, de forma a assegurar de modo eficiente a satisfação dos interesses credores, o certo é que os mecanismos processuais pelos quais se pretenda atingir esses objetivos não podem criar de forma desproporcionada dificul- dades ou constrangimentos ao direito de acesso aos tribunais e, em particular, ao exercício do direito de defesa. O princípio da celeridade processual não é um valor absoluto, pelo que, em cada caso, não poderá deixar de ser confrontado, segundo critérios de concordância prática, com outros bens ou valores constitucional- mente protegidos. Não poderá aceitar-se, pela sua manifesta desproporcionalidade, que se pretenda obter uma mais rápida resolução dos litígios através de medidas processuais que se destinem a favorecer a condenação de preceito, por via do funcionamento do efeito de revelia, em completo detrimento dos interesses da defesa. A decisão recorrida, formulando um juízo de inconstitucionalidade relativamente à referida norma do n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, por violação do princípio do processo equitativo, não merece qualquer censura. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo consagrado no artigo 20. º, n.º 4, da Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, quando interpretada no sentido de não dever ser admitido o articulado da oposição quando não acompanhado da lista contendo a indicação dos cinco maiores credores da requerida e sem que a esta tenha previamente sido concedida a oportunidade de suprir a deficiência; b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Lisboa, 5 de julho de 2012. – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral ( vencida, conforme declaração que segue em anexo) – Gil Galvão . DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida, pelas razões que a seguir resumo: 1. Decidiu o Tribunal, continuando jurisprudência anterior, julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, na dimensão normativa agora em causa, por entender que tal dimensão violava o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP. A meu ver, o Tribunal adotou aqui uma interpretação da norma constitucional que acentua de forma indevida a componente subjetiva do princípio que nela se contém. 2. O artigo 20.º consagra um princípio que é, ele próprio, elemento integrante da ideia de Estado de direito. Na verdade, sem a possibilidade do acesso de todos ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dificilmente se justificaria que aos tribunais do Estado ficasse em princípio reservada a função de dirimir conflitos (artigo 202.º da CRP); dificilmente se compreenderia que fosse proibido o recurso à autodefesa; dificilmente se explicaria que se confiasse na capacidade da comunidade política para assegurar no seu seio a paz e a segurança jurídica. Ora este princípio de tutela jurisdicional efetiva – que se integra assim na ideia mais vasta de Estado de direito – não pode ter apenas uma dimensão subjetiva. É certo que dele nascem direitos, ou posições jurídico-subjetivas constitucionalmente tuteladas, entre as quais se conta o direito a um processo equitativo, contrapartida necessária do direito de acesso à justiça. Quer isto dizer que as pessoas detêm, na verdade, o direito [fundamental] a um processo ordenado de tal forma que permita alcançar a justa composição do litígio. No entanto, a efetivação deste direito pressupõe que os

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