TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

320 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Código de Processo Civil estabelece que só é admissível recurso ordinário quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Assim, como a alçada do tribunal de comarca é de 5000 € e o valor da ação se considerou fixado em 2000 € , o acórdão recorrido julgou inadmissível o recurso relativo à decisão de indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, que considerou abrangido pela regra relativa ao valor da causa, em vez de ser determinado pelo valor do passivo de que os interessados pretendam ser exonerados, como os recorrentes sustentavam. É esta dimensão normativa que os recorrentes consideram violadora dos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º, n.º 1 (acesso ao direito e aos tribunais) e, ainda, dos artigos 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ( ex vi do artigo 8.º da Lei Fundamental). 7. O Tribunal Constitucional tem uma vasta e uniforme jurisprudência no sentido de que o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso em processo civil, domínio em que a Constituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição (salvo, segundo algumas opiniões, em matéria de direitos, liberdades e garantias; cfr., por todos, Acórdão n.º 44/08, disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ). Todavia, com um primeiro limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores: não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso. Mais especificamente, no que toca à irrecorribilidade em função da relação entre o valor da ação e à alçada dos tribunais, o Tribunal sempre entendeu que desse critério não resulta violação da Constituição, maxime , do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). Assim, seguindo essa abun- dante jurisprudência já no âmbito do regime jurídico do processo de insolvência, decidiu-se no Acórdão n.º 348/08 não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de que quando “o valor da ação de insolvência é inferior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, não é admissível recurso ordinário da sentença”. Porém, além daquela genérica limitação à ampla discricionariedade do legislador na conformação do regime dos recursos em processo civil, designadamente quanto às próprias condições de admissibilidade, um outro limite (um limite interno) conhece essa liberdade de conformação, que decorre desde logo do prin- cípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. Com efeito, como se recordou no Acórdão n.º 360/05, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. Mas, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem ele que abrir a todos também a essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça sem discriminação alguma (Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 163/90, de 23 de maio de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 397, junho de 1990, p. 77). Aquela margem de discricionariedade (a ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil) tem, porém, como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 202/99, de 6 de abril de 1999, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, maio de 1999, p. 49). É a esta luz – da não consagração constitucional do direito a segundo grau de jurisdição neste domínio, por um lado, e da proibição do arbítrio no estabelecimento do critério de recorribilidade, quando o legisla- dor opte por abrir a possibilidade de recurso, por outro – que importa analisar o critério normativo adotado para rejeitar o recurso da decisão relativa à exoneração do passivo restante. 8. A exoneração do passivo restante é um dos aspetos inovadores do atual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 que aprova o Código, este “conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=