TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
307 acórdão n.º 319/12 É, assim, oportuno citar o seguinte trecho do Acórdão n.º 375/05, cuja doutrina é totalmente transpo- nível para o presente caso: «(...) por um lado, não compete ao Tribunal Constitucional determinar, com independência da questão de conformidade constitucional que tem para decidir, quais são exatamente os bens jurídicos tutelados pelo vários tipos legais de crime, ou se existe uma situação de concurso de crimes; por outro lado, tendo-se entendido na deci- são recorrida – e não se vendo que tal conclusão viole preceitos constitucionais – que são inteiramente diversos, também na sua função e na sua relevância valorativa, os bens jurídicos protegidos pela incriminação da burla (o património em geral, ou a liberdade de disposição deste) e da falsificação de documentos (“a verdade intrínseca do documento enquanto tal”), não se vê como pode a existência de um concurso de crimes não meramente apa- rente violar normas ou princípios constitucionais. Isto, designadamente, quando a factualidade que os integra não é inteiramente coincidente e esses crimes assumem relevância autónoma. Este concurso de crimes não viola a proibição de julgamento, mais do que uma vez, pela prática do mesmo crime ( ne bis in idem) , constante do artigo 29. º, n.º 5, da Constituição, e isto mesmo entendendo-se que esta proibição é igualmente aplicável aos casos de concurso meramente “aparente”.» Com efeito, o acórdão recorrido assentou a sua argumentação na circunstância de os bens jurídicos tutelados serem diferentes nos crimes em presença, afastando, nessa base, a tese do concurso aparente e afir- mando a existência de concurso efetivo entre o crime de homicídio e de detenção ilegal de arma. Tratando-se de um concurso efetivo de crimes – que, tal como a Relação qualificou, violam bens jurídicos distintos, – está afastada a possibilidade de as normas em causa sancionarem – de modo duplo ou múltiplo – substancialmente a mesma infração. A isso acresce o facto de, no caso concreto, à semelhança do que se passava no aresto citado, a factuali- dade que integra os crimes em presença não é coincidente, assumindo os crimes em causa relevância autó- noma. Na verdade, o acórdão recorrido, a propósito do crime detenção ilegal de arma, faz notar que “não se tratou de um ato instantâneo (…) antes ponderado, pois o arguido foi comprar a arma, o que por si só autonomiza o crime de detenção de arma proibida e, nessa medida, crime autónomo do homicídio praticado com essa mesma arma”. Não ocorre, em suma, a violação da proibição de julgamento plúrimo pela prática do mesmo crime, constante do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição. 9 . Invoca ainda o recorrente que os artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n. os 1, alínea c), 3 e 4, da Lei n.º 17/2009, quando aplicados numa relação de concurso efetivo dos crimes neles previstos e não de con- curso aparente das normas respetivas significam ainda uma desproporção punitiva para além do consentido pelas regras da tipicidade e da necessidade penal previstas nos artigos 1.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, da Constituição. O Tribunal Constitucional tem reconhecido que a Constituição acolhe, designadamente no seu artigo 18. º, n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, afir- mando repetidamente que, por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade, como se recordou, em particular, nos Acórdãos n. os 99/02 ( publicado in Diário da República , II Série, de 4 de abril de 2002) e 494/03 (publicado in Diário da República , II Série, 27 de novembro de 2003), com larga referência à doutrina e à jurisprudência anterior sobre o tema. No entanto, não deixou de se sublinhar nesses Acórdãos que, sendo certo que “também em matéria de criminalização o legislador não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo manter‑se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição”, é, por outro lado, igualmente certo que, “no controlo do respeito pelo legislador
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