TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

306 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL circulação rodoviária, presumindo‑se o elevado grau de perigosidade da ação. O perigo relativamente a esses bens é o motivo da incriminação, mas o facto incriminado é a conduta tipicamente perigosa e elevadamente perigosa. No entanto o recorrente incumpriu ainda as regras do artigo 44.º do Código da Estrada, relativas à mudança de direção, incorrendo, por essa razão, na inerente responsabilidade contra‑ordenacional. Trata‑se da realização de uma concreta infração pela mesma conduta de condução no sentido naturalístico, mas que corresponde a uma realização de factos com diversa relevância jurídica. Verifica‑se, pois, autonomia entre a conduta relativa à manobra perigosa que originou responsabilidade con- tra‑ordenacional e a conduta que originou responsabilidade penal. É verdade que ocorrem ambas no mesmo contexto. Porém, tal circunstância não impede um desvalor plúrimo. Na verdade, a condução sob o efeito do álcool põe em causa uma multiplicidade de bens, em si mesmo, indepen- dentemente da realização de manobras perigosas. Não se tem de concretizar nelas para que possa ser incriminada. Por outro lado, a realização de manobras perigosas pode, evidentemente, não estar associada a uma condução sob o efeito do álcool. Não há, portanto, qualquer relação de instrumentalidade ou funcionalidade típica entre as duas condutas, nem em abstrato, nem sequer em concreto, que impusesse como obrigatória do ponto de vista constitucional uma consunção. Assim, os bens jurídicos afetados não são em concreto postos em perigo de maneira coincidente. No caso da condução perigosa, estamos perante uma multiplicidade de bens como é característico dos crimes de perigo comum, cuja afetação se verifica em todo o tempo de condução sob o efeito do álcool. No caso da manobra peri- gosa de mudança de direção, dá‑se uma colocação em perigo de bens em certo momento específico de condução, prevenindo‑se apenas o perigo para os bens que seriam afetados com a manobra. Na perspetiva do grau de desvalor é, assim, sustentável que o legislador entenda que há um acréscimo de desva- lor pela realização da manobra perigosa de mudança de direção relativamente à condução sob o efeito do álcool. É, deste modo, esse acréscimo de desvalor que torna justificável o ponto de vista legal de um concurso efetivo, sendo, naturalmente, possíveis, outras opções segundo uma lógica de concurso ideal. Todavia, a Constituição não impõe uma única solução jurídica nesta matéria.» 8. No caso presente, a Relação decidiu punir o recorrente em concurso efetivo pela prática do crime de homicídio previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigo 131.º do Código Penal e 86.º, n. os 3 e 4 do NRJAM e pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea  c), do NRJAM. Esse entendimento radicou, por um lado, no “circunstancialismo em que decorreram os factos, entre os quais se salienta o decurso de tempo em que o arguido formulou a intenção de tirar a vida ao ofendido e os atos através dos quais preparou a execução de tal objetivo, como seja o de comprar a arma”. Este circunstan- cialismo levou o acórdão recorrido a considerar que não se podia concluir que “um ato se esgotou no outro, não tendo um acontecido de forma fortuita ou inerente intrinsecamente ao outro”. Sublinha o acórdão recorrido que os tipos legais de crimes em causa são autónomos e tutelam diversos bens jurídicos: o bem jurídico protegido pelo tipo legal do crime de homicídio é a vida humana; por sua vez, o crime de detenção de arma proibida visa tutelar o bem jurídico “segurança da comunidade”; em face do crime de homicídio, o crime de detenção de arma proibida apresenta uma diferente natureza, constituindo um crime de perigo abstrato, pois a mera detenção da arma (fora de determinadas condições legais) põe imediatamente em risco a segurança da comunidade. Não se verificaria, em suma, a dupla incriminação constitucionalmente proibida: “o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, sendo que o seu uso, em momento posterior, como aqui sucedeu, constitui, instrumentalmente, um elemento do tipo de culpa do crime de homicídio”. O acórdão recorrido entendeu, portanto, estar perante um concurso efetivo de crimes.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=