TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

305 acórdão n.º 319/12 Desde logo, o já referido Acórdão n.º 102/99, em que estava em causa a apreciação do concurso de crimes de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa, considerou que estavam em causa dois bens jurídicos diferentes: « Este Tribunal, no seu Acórdão n.º 426/91 (publicado no Diário da República , II Série, de 2 de abril de 1992), a propósito do crime de tráfico de estupefacientes, disse que “o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurí- dicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afeta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos crimi- nógenos”. E, mais adiante, acrescentou que se “protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de caráter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública”. Quanto ao crime de associação criminosa, é manifesto que nele não está em causa a saúde pública. Em causa estará, isso sim, como se sustenta no acórdão recorrido, a paz pública. Concluindo o acórdão recorrido, com o apoio da doutrina, que os artigos 21.º, 24.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – que preveem o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e o de associação criminosa – se encontram, entre si, numa relação de concurso real, pois são diferentes os bens jurídicos tutelados por cada um desses normativos, tais normas, nessa interpretação, não violam o princípio ne bis in idem – e, assim, o n.º 5 do artigo 29.º da Constituição.» Por seu turno, o Acórdão n.º 303/05 (publicado no Diário da República , II Série, de 5 de agosto de 2005), apreciou a inconstitucionalidade da interpretação conjugada das normas dos artigos 30.º, n.º 1, 217. º, n.º 1, e 256.º, n.º 1, do Código Penal, no sentido em que permite a punição em concurso efetivo pelos crimes de burla e falsificação de documentos desde que esta tenha sido o artifício concretamente utilizado. Afirmou-se, então: « Não estando em causa a vertente processual do princípio, que poderia exigir outro critério ou indagações complementares para determinação do que é “o mesmo crime” (designadamente, com recurso aos institutos rela- tivos ao objeto do processo), nada impede que o legislador configure o sistema sancionatório penal quanto ao concurso de infrações em matéria criminal segundo um critério de índole normativa e não naturalística, de modo que ao “mesmo pedaço da vida” corresponda a punição por tantos crimes quantos os tipos legais que preenche, desde que ordenados à proteção de distintos bens jurídicos, como é seguramente o caso dos que preveem a burla e a falsificação de documentos. Não ficando a proteção de lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos merecedores de tutela penal esgotada ou consumida por um dos tipos que a conduta do agente preenche, não viola o princípio da necessidade das penas e, consequentemente, o ne bis in idem material, a punição em concurso efetivo (concurso ideal heterogéneo), mediante esse critério teleológico, do crime-meio e do crime-fim, porque cada uma das puni- ções sanciona uma típica negação de valores pelo agente”. Esta jurisprudência foi seguida no Acórdão n.º 375/05 (publicado no Diário da República , II Série, de 21 de setembro de 2005). Por fim, no já citado Acórdão n.º 356/06 apreciou-se a inconstitucionalidade do artigo 136.º do Código da Estrada na medida em que permitia a condenação em concurso pela prática das duas infrações (no caso, na contra‑ordenação prevista no artigo 44.º do Código da Estrada e na prática do crime do artigo 292.º do Código Penal – condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas), onde se referiu: « No caso dos autos, a conduta do agente, ora recorrente, traduziu‑se na condução sob o efeito de bebida alcoó- lica (a taxa detetada foi de 1,58g/l). Tal atuação constitui o crime previsto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Trata‑se de um crime de perigo abstrato que é suscetível de pôr em perigo vários bens jurídicos relacionados com a

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