TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3 – As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma. 4 – Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qual- quer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.» 6 . Importa começar por sublinhar que não incumbe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se acerca do juízo que o aresto recorrido adotou quanto à ocorrência de uma relação de concurso efetivo entre os cri- mes previstos no artigo 131.º do Código Penal (homicídio simples no caso cometido com arma) e no artigo 86. º n. os 1, alínea c) , 3 e 4, do NRJAM. Não pode esquecer-se que não compete ao Tribunal Constitucional decidir como devem ser interpretadas e aplicadas as normas infraconstitucionais, designadamente as que res- peitam ao concurso de crimes e de normas penais; ao Tribunal compete apenas analisar se, tendo o tribunal recorrido extraído daquele bloco normativo um critério que leva a punir tais condutas em concurso efetivo, ficam, por isso, violados os princípios constitucionais invocados pelo recorrente. 7. O recorrente invoca que tal interpretação normativa viola o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, por infringir a proibição de ne bis in idem. A referida norma constitucional –“ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” – dá dignidade constitucional expressa ao clássico princípio de ne bis in idem . J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 4. ª edição, Coimbra, 2007, p. 497), fazem notar que o referido princípio comporta duas dimensões: a dimensão de direito subjetivo , que garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, e a dimensão de princípio objetivo, que obriga o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. Está aqui em causa a dimensão sub- jetiva do princípio, na vertente que proíbe a imposição plural de consequências jurídicas sancionatórias sobre a mesma infração. O Tribunal Constitucional tem afirmado que o referido princípio impede que o mesmo facto seja valorado duas vezes, isto é, que uma mesma conduta ilícita seja apreciada com vista à aplicação da sanção mais do que uma vez. A esta aplicação subjaz a ideia segundo a qual a cada infração corresponde uma só punição, não devendo o agente ser sujeito a uma repetição do exercício do poder punitivo do Estado. É já vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a violação dessa vertente substantiva do princípio de ne bis in idem nos casos de concurso de crimes. Para aferir da violação do referido princípio, o Tribunal tem partido do princípio de que o apuramento de tal violação pressupõe que as normas em concurso sancionem – de modo duplo ou múltiplo – substancialmente a mesma infração. Para aferir da identidade substancial das infrações, o Tribunal Constitucional tem adotado o critério enunciado no Acór- dão n.º 102/99 (publicado no Diário da República , II Série, de 1 de abril de 1999), seguido em posteriores arestos, consistente no seguinte: « Verdadeiramente, pois, o que importa é saber se se está perante a “prática do mesmo crime” ou perante um concurso efetivo de infrações, quer este concurso seja real, quer seja ideal (Sobre todos estes conceitos, cfr. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infrações, Coimbra). É que, sendo o concurso de crimes efetivo, e não meramente aparente, a dupla penalização não viola o princí- pio constitucional do ne bis in idem .» Em suma, o facto que lese ou afete uma só vez um bem jurídico, não pode ser criminalmente valorado duas vezes. O Tribunal já aplicou o referido critério em casos em que estava em causa a violação do princípio de ne bis in idem pela punição de crimes em concurso.
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