TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL situação de legalidade ou de ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar mesmo que o recorrente tivesse licença de uso e porte. O circunstancialismo em que decorreram os factos, entre os quais se salienta o decurso de tempo em que o arguido formulou a intenção de tirar a vida ao ofendido e os atos através dos quais preparou a execução de tal objetivo, como seja o de comprar a arma, não permitem dizer que um ato se esgotou no outro, não tendo um acontecido de forma fortuita ou inerente intrinsecamente ao outro, diversamente do ocorrido no acórdão do STJ referido, em que o ato de detenção de arma é fortuito perante o de matar, tendo-se esgotado nele mesmo. No citado acórdão o arguido utilizara arma que se encontrava na casa onde morava para tirar a vida ao irmão. Os tipos legais de crimes em causa são autónomos e tutelam diversos bens jurídicos. As circunstâncias referidas no artigo 132.º são elementos da culpa, e não do tipo, face ao seu funcionamento não automático e à sua não taxatividade. O bem jurídico protegido pelo tipo legal do crime de homicídio é a vida humana. Por sua vez, em matéria de armas, e atento o alarme social que as mesmas causam, o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estes objetos, com o seu enorme poder destrutivo, conseguem pôr em risco. Desta forma, construiu os tipos legais – referimo-nos ao crime de detenção de arma proibida e à detenção ilegal de arma – como crimes de perigo abstrato, não fazendo depender o preenchimento do tipo da verificação concreta do perigo, pois entende-se que a mera detenção da arma (fora de determinadas condições legais) põe já em risco a segurança da comunidade (vide Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal , Tomo II, p. 891, em anotação ao artigo 275.º do CP ).[6] Assim, entendemos que não se verifica a dupla incriminação ou violação do princípio ne bis in idem , pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, sendo que o seu uso, em momento posterior, como aqui sucedeu, constitui, instrumentalmente, um elemento do tipo de culpa do crime de homicídio.» 2. É este aresto que o recorrente impugna perante o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), visando ver apreciada a conformidade constitucional da norma dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n. os 1, alínea c) , 3 e 4, da Lei n.º 17/2009 “ quando interpretados e aplicados, como o foram no caso, numa relação de concurso real dos crimes neles previstos e não de concurso aparente das normas respetivas”. No entender do recorrente, tal norma viola o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, por infringir a proibição de ne bis in idem , além de significar uma “des- proporção punitiva para além do consentido pelas regras da tipicidade e da necessidade penal” previstas nos artigos 1.º, n.º 1, 18.º, e 29.º, n.º 1, da Constituição. 3 . Recebido o recurso, o recorrente alegou e concluiu: «1) O presente recurso para o Tribunal Constitucional tem como objeto o douto Acórdão da Relação de Lisboa que conheceu a questão suscitada do erro de direito quando da aplicação cumulativa dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º n.º 1 c) , 3 e 4 da Lei 17/2009 de 06/05 ao mesmo núcleo essencial de factos, seja homicídio com uso de arma e detenção de arma e a questão da inconstitucionalidade desse concurso material de agravações que aquele douto aresto igualmente conheceu; 2) O douto aresto recorrido enferma de erro de direito ao considerar existir uma relação de concurso real ante os crimes previstos no artigo 131.º do Cód. Penal (homicídio simples no caso cometido com arma) e no artigo 86. º n.º 1 e) , 3 e 4 do NRJAM (Lei 17/2009 de 06/05) – incriminação da detenção de arma e agravação de crimes cometidos com arma – porquanto ante o artigo 30.º do Cód. Penal não ocorre acumulação material mas antes concurso aparente de normas, pelo que não há lugar ao cúmulo jurídico das duas penas, sendo certo que;
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