TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. foi condenado pela 2.ª Vara Mista de Loures, em concurso efetivo, pela prática do crime de homi- cídio, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n. os 3 e 4, do novo regime jurídico das armas e suas munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, com a atenuação especial resultante da aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão e pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), do NRJAM, também na redação da Lei n.º 17/2009, com a atenuação especial resultante da aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82, na pena de 7 meses de prisão; em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de sete anos de prisão. Inconformado, o arguido recorreu para a Relação de Lisboa, argumentando, nomeadamente, que os artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n. os 3 e 4, da Lei n.º 17/2009, quando aplicados, como o foram, numa relação de concurso efetivo dos crimes nelas previstos e não de concurso aparente das normas respetivas, enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, por infrin- girem a proibição de ne bis in idem . Por acórdão de 28 de junho de 2011, a Relação de Lisboa reduziu a pena aplicada ao arguido para seis anos de prisão, e quanto à questão de inconstitucionalidade disse: « Apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio agravado pelo uso de arma nos termos do artigo 131.º CP e 86.º, n. os 3 e 4 do NRJAM aprovado pela Lei 17/2009 de 6.5 e detenção de arma proibida do artigo 86.º n.º1 alínea c) da citada Lei – deverá concluir-se por um concurso efetivo de crimes, como entendeu a decisão ou por um concurso aparente, como sugere o recorrente? Vejam-se os ensinamentos de Figueiredo Dias, que, depois de ter como assente que “é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica” existente no comportamento global do agente “que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de (…) de crimes”, considera: “ A ideia central que preside à categoria do concurso aparente deve pois ser, repete-se, a de que situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objetiva e/ou subjetiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou os restantes surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como domina- dos, subsidiários ou dependentes; a um ponto tal que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes (…) seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses, inconstitucional. A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função de diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita cone- xão situacional, nomeadamente espácio-temporal, intercedente entre diversas realizações típicas singulares homo- géneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam como meros estádios de evolução ou de intensidade da realização típica global” ( Direito Penal , Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, pp. 989 e 1015). No Ac. STJ – 5ª secção, de 31.3.2011 no processo n.º 61/10.3 GBLLE da 5ª Secção decidiu-se que : A conexão existente entre a conduta do arguido em relação à arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global», pois o que o recorrente pretendeu foi matar o ofendido, não sendo o uso de arma proibida mais que o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado.

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