TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. […]». No nosso sistema processual penal a fundamentação da sentença penal exige, por um lado, a enume- ração dos factos provados e não provados e, por outro lado, a exposição completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que funda­mentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, segundo decorre do artigo 368.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, acima transcrito, traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua aprecia­ção e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos cons- tantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa. Esta enumeração revela-se de extrema importância, pois evidencia quais os factos que foram efetiva- mente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova. No presente caso, o arguido, em recurso, impugnou a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, pretendendo que o Tribunal da Relação considerasse provados determinados factos que, no seu entendi- mento, haviam resultado da discussão da causa e que não constavam na lista de factos provados e não pro- vados. OTribunal da Relação não conheceu o recurso, nesta parte, sustentando que não é suscetível de integrar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto a pre­tensão do recorrente de que sejam considerados pro- vados factos que na sua opinião resultaram da discussão da causa, mas que não foram contemplados na lista dos factos provados e não provados constante do acórdão proferido na 1.ª instância. O recorrente acusa este critério normativo, que foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, de violar o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição que, relati- vamente à sentença condenatória, se traduz na necessidade de assegurar ao arguido a faculdade de pedir a sua reapreciação, quer quanto à matéria de direito, como à matéria de facto, por um tribunal superior. Mas, o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o con­trolo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando, conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/06 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ), onde se escreveu: “ Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de ‘duplo julga­mento’. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…” Daí que o direito do arguido recorrer da sentença condenatória, na parte em que decidiu a matéria de facto, possa não contemplar a possibilidade do tribunal de recurso considerar provados determinados factos que, no entendimento do recorrente, hajam resultado da discussão da causa, mas que não constam da lista de factos prova­dos e não provados da sentença recorrida. É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância.

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