TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
281 acórdão n.º 311/12 14. Por conseguinte, é organicamente inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto- - Lei n.º 84/84 de 13 de março, pois versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1 alínea b) , da Constituição], e emitida pelo Governo sem para tal estar validamente autorizado. Quando assim se não entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite. 16. O artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados sobre a epígrafe Restrições ao direito de inscrição, no seu n.º 1, alínea a) , diz o seguinte: “Não podem ser inscritos, os que não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial tenham sido condenados por qualquer crime desonroso”. 17. Por sua vez, o artigo 7.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiá- rios, dispõe: “Deve ser negada a inscrição, o levantamento da sua pretensão ou a reinscrição, quando os requerente não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial, quando tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso”. 18. A questão relevante para efeitos de apreciação de constitucionalidade consiste em determinar se o artigo 156. º, n.º 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16 do março e o artigo 7.º, n.º 1 alínea a) do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral em sessão de 7 de julho de 1989, violam o artigo 30.º, n.º 4 da Constituição, que estabelece: Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos.” 19. Como resulta da sua epígrafe, o artigo 30.º da Constituição refere-se genericamente aos limites das penas e das medidas de segurança. O seu n.º 4 proíbe que da aplicação de uma pena resulte automaticamente, de forma meramente mecânica, uma outra pena, sem que haja uma intervenção judicial. Pretende-se proibir que à pena a aplicar pelos tribunais acresça, ope legis , uma nova pena. 20. É esta a interpretação de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa ano- tada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 198) que explicitam ainda o seguinte: “Embora o n.º 4 se refira apenas à proibi- ção de efeitos necessários das penas, a proibição estende-se também por identidade de razão aos efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes, pois não se vê razão para distinguir.” 21. O n.º 4 do artigo 30.º da Constituição foi introduzido na revisão constitucional de 1982, pretendendo- - se com este novo número acolher o entendimento de política criminal constante do então recente Código Penal de 1982 (artigo 65.º), que impõe que se retire às penas o seu efeito estigmatizante, para isso determinando que “ nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. 22. Acolhe-se, assim, como principio jurídico-constitucional, o principio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português , Lisboa, 1993, p. 159). Este princípio encontrava-se já vertido no artigo 76.º (77.º após a revisão ministerial) do “ Projeto de Código Penal de 1963” de que fora autor Eduardo Correia (separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 157). Sobre as disposições aprovadas em 1982 escreveria depois o autor (Eduardo Correia, “O novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários, p. 29): ‘O Código, aliás em consonância com a Constituição, fez desaparecer o efeito infamante das penas, não considerando seu efeito automático a perda de direitos civis, políticos e profissionais (artigo 65.º). Temos, assim, que todo o labéu, todo o estigma jurídico, se dilui, ficando apenas a possibilidade autónoma ou paralela de cominar penas acessórias.” 23. Inspirando-se no anteprojeto de Eduardo Correia, Jorge Miranda propusera a consagração deste princípio no projeto de Constituição que apresentara em 1975, e insistiu nele, com sucesso, a propósito de Um Projeto de Revisão Constitucional (Coimbra, 1980, p. 35). Ai escreveu: “O novo n.º 4 tem por fonte o artigo 76.° do ante- projeto de parte geral do Código penal, de autoria de Eduardo Correia. Já constava do meu projeto de Constituição de 1975.” 24. Figueiredo Dias explica que a consagração desta medida no Código Penal de 1982 revelou “o apego do legis- lador penal à convicção básica de que importa retirar às penas todo e qualquer efeito infamante ou estigmatizante
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