TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Contudo, a admissibilidade da valoração das provas obtidas através de escutas telefónicas para prova de um crime fora de catálogo, na perspetiva interpretativa do tribunal recorrido, dependia precisamente do facto de, por um lado, o arguido ter sido acusado e pronunciado pela prática de um crime de catálogo, havendo, pois, «um reforço indiciário bastante que comprova que a autorização das escutas telefónicas não assentou em pressupostos fácticos fraudulentos (apresentando-se como crime de catálogo, para esse efeito, o que de antemão se sabia não o ser)» e, por outro, da circunstância de um dos coarguidos vir a ser efetivamente punido pela prática de um crime de catálogo, o que revelaria «a conexão histórica ou circunstancial existente entre os factos que integram uma tal ação típica e aqueles que suportaram a condenação do arguido pela prática de um crime fora de catálogo, assim legitimando o uso de escutas telefónicas, no mesmo processo, para prova de uns e outros», como se destaca na decisão sumária ora em reclamação. Essa constatação resulta com evidência de diversas passagens do acórdão recorrido, designadamente quando, depois de se afirmar que «não está necessariamente afastada a possibilidade de um crime do catálogo poder justificar as escutas e, mais tarde, esse crime ser abandonado», se acrescenta o seguinte: « A nosso ver, se o crime do catálogo atingir a fase de acusação, está demonstrado que não foi utilizado como fundamento aparente da legitimação da escuta. Julgamos que é quanto basta, pois o que importa é considerar justificada a intromissão na esfera da vida privada que a escuta representa. Essa intromissão, fundada em indícios suficientes para justificar a acusação, mostra que não houve manipulação do seu uso. […] No caso dos autos houve pronúncia por um crime de catálogo, estando pois demonstrado que a qualificação de crime do catálogo para justificar as escutas se mostrava (nessa ocasião) fundamentada. Só depois do julgamento mudou a qualificação jurídica. Portanto, as razões jurídicas que justificaram as escutas eram válidas e o “crime de catálogo” foi bastante para suportar uma acusação e pronúncia.» A que se acrescenta ainda, para extrair a mesma conclusão, a seguinte ordem de considerações: « Ora, sendo este arguido [B.] “o principal protagonista da trama que motivou a existência do presente pro- cesso, é inquestionável que dessa circunstância terão de se extrair outras consequências. Há, relativamente a estes crimes, inequivocamente de catálogo que fazem parte da mesma história de vida dos crimes de abuso de poder pelos quais o recorrente veio a ser condenado, óbvia conexão entre os mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do CP. Ou seja, no âmbito da mesma investigação, os factos praticados pelo arguido C. – que foi condenado como cúmplice relativamente aos crimes cometidos por B. – estão conexionados com os factos praticados por outros arguidos, tendo havido condenação pela prática de crimes de catálogo. Assim sendo e estando como parece certo no âmbito de conhecimentos de investigação, a verdade é que apesar de tudo subsistiu a condenação por vários crimes do catálogo que justificaram as escutas e investigação de todos os factos conexos. Do exposto decorre que consideramos lícita a recolha e valoração das provas obtidas mediante as escutas tele- fónicas, improcedendo as conclusões 84.ª a 94.ª» É assim claro que a dimensão normativa aplicada pelo tribunal recorrido é diversa e mais complexa do que aquela que o recorrente identificou como constituindo o objeto do recurso de constitucionalidade, visto que o tribunal não se limitou a valorar a prova obtida através de escutas para investigação de crime de catá- logo para efeito de condenação por crime fora do catálogo, antes admitiu como lícita essa valoração quando ocorram determinados outros fatores, como seja a circunstância do arguido ter sido acusado e pronunciado por um crime de catálogo e ter sido condenado por factos que estão conexionados com aqueles pelos quais outros arguidos foram condenados por um crime de catálogo.
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