TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL perante uma interpretação da lei que, no contexto doutrinal e jurisprudencial atual, possa ser qualificada de insólita ou inesperada. Com efeito, não podendo ignorar-se que o julgamento em primeira instância da matéria de facto bene- ficia de um imediatismo irrepetível nas instâncias de recurso, pese embora o registo dos depoimentos tes- temunhais, não é insólito, ou desprovido de sentido, considerar que o tribunal de recurso afira da correção do julgado em matéria de facto, que lhe compete reapreciar, em função dos critérios de plausibilidade que o próprio artigo 127.º do CPP, ao referir-se às regras das experiência comum, enuncia como critério de apre- ciação da prova, verificando se foi dado correto uso, pela instância recorrida, ao poder-dever regulado pelo citado normativo legal. Por outro lado, não sendo exigível à parte, para efeitos de observância do ónus de suscitação, que ante- cipe os termos literais em que as instâncias interpretam dado normativo legal, mas e tão-só que invoque perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade da norma aplicável, ainda que em determinado sentido interpretativo, não se vê como não fosse exigível ao recorrente antecipar a aplicação, pelo tribunal recorrido, do critério normativo ínsito na interpretação em causa, tanto mais que demonstrou, pela vasta jurispru- dência citada, estar ciente da maior ou menor latitude com que os tribunais superiores têm interpretado os poderes legais que lhe são conferidos em matéria de conhecimento da matéria de facto. De modo que, independentemente da questão de saber se o tribunal recorrido efetivamente adotou, ou não, um tal entendimento da lei, o recorrente carece de legitimidade para interpor, nessa parte, o presente recurso de constitucionalidade, sendo certo que, podendo e devendo fazê-lo, não suscitou a questão de inconstitucionalidade antes da prolação do acórdão recorrido, como, aliás, reconhece. Decidiu, ainda, o relator, não conhecer da inconstitucionalidade da norma do artigo 29.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, interpretada «no sentido de que «o mandato perdido pode ser outro que não aquele durante o qual foram praticados os factos que constituíram objeto da condenação». Invocou-se, em fundamento, o facto de o recorrente sujeitar à apreciação do Tribunal Constitucional, por delimitação negativa, «uma pluralidade indeterminada de hipóteses interpretativas, pois que (…) não indica qual, em concreto, o sentido interpretativo da expressão legal «perda de mandato» que reputa incons- titucional, antes se referindo difusamente a todos «os outros» ou «diferentes» mandatos que não aquele durante o qual foram praticados os factos que constituíram objeto de condenação ou mandato subsequente a esse», o que, por indeterminado, inviabiliza a formulação de um juízo de inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade objetivamente delimitado, a que acresce que uma tal interpretação, com tal excessiva amplitude, não constitui fundamento normativo da decisão recorrida, o que, por inutilidade, sempre preju- dicaria o seu conhecimento. Sustenta o reclamante, ao invés, que o objeto do recurso não padece da imputada indeterminação, pois « resulta de forma clara do invocado (…) que se a norma do artigo 29.º da Lei n.º 34/87 for interpretada no sentido de que ‘respetivo mandato’ é o mandato exercido à data da prática dos factos, ela é constitucional [e] que se a norma do artigo 29.º da Lei n.º 34/87 for interpretada no sentido de que ‘respetivo mandato’ é outro mandato que não o exercido à data da prática dos factos, ela é inconstitucional», concluindo que «perante tal alegação, só há duas dimensões interpretativas possíveis, por muitos mandatos que se possam suceder na realidade», tendo o acórdão recorrido optado pela interpretação que fere a norma de inconstitucionalidade, que, por isso, deve ser apreciada. Sucede que não releva, para efeitos de conhecimento do recurso, que o recorrente delimite claramente qual a norma ou interpretação que considera conforme à Constituição; estando em causa, no recurso de constitucionalidade, aferir da inconstitucionalidade das normas aplicadas pelos tribunais, é na delimitação destas últimas que se impõe particular grau de exigência, submetendo-se à apreciação do Tribunal Constitu- cional o preciso critério normativo que se reputa violador das normas e princípios constitucionais. Ora, no caso vertente, o que ressalta claro do requerimento de interposição do recurso, única peça processual relevante na delimitação do objeto do recurso, é a interpretação que o recorrente considera como sendo a única compatível com a Lei Fundamental, não sendo, contudo, a sua enunciação contraposta, nos
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