TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
226 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL c) Da violação do artigo 86.º da Constituição A recorrente alega, finalmente, que se mostra violado o artigo 86.º da Constituição, uma vez que a Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, ao criar desigualdades de tratamento, obsta ao incentivo e, mesmo, à eficaz fiscalização das empresas. O artigo 86.º da Constituição dispõe o seguinte: « Empresas privadas 1. O Estado incentiva a atividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respetivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam atividades de interesse económico geral. 2. O Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório, nos casos expressamente pre- vistos na lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial. 3. A lei pode definir setores básicos nos quais seja vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza.» Embora a recorrente refira que está em causa a violação do disposto no artigo 86.º da Constituição, depreende-se, da argumentação por esta sustentada, que a norma constitucional que entende ter sido violada é a do n.º 1 deste artigo, concretamente, na parte em que dispõe que o Estado “incentiva a atividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respetivas obrigações legais”. Este preceito constitucional deve ser visto conjuntamente com o artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, onde se encontra a garantia da liberdade de iniciativa económica privada. Isto porque, embora a lei fundamental garanta a iniciativa económica privada como direito fundamen- tal, tal não significa que a gestão de cada empresa fique entregue ao puro arbítrio do empresário, pois que, conforme resulta do referido artigo 61.º, n.º 1, a iniciativa económica privada exerce-se livremente “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”. Daí que incumba ao Estado não só uma obrigação de estímulo à actividade empresarial privada, mas também, concomitantemente, a obrigação de regulação e fiscalização dessa atividade. Sobre esta questão Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. ob. cit., p. 1015) escrevem o seguinte: « IV. As empresas privadas estão sujeitas a fiscalização estadual ( rectius: fiscalização pública) do cumprimento das obrigações legais das empresas (n.º 1, 1.ª parte). Ao abrigo da CRP, respeitado o núcleo essencial da liberdade de empresa (artigo 61.º) e o princípio da liberdade de iniciativa e de organização e gestão empresarial [artigo 80.º/ c) , a lei é livre para estabelecer, havendo motivo razoável, um enquadramento da empresa privada que pode variar largamente entre ummínimo de condicionantes à sua atividade e liberdade de atuação e ummáximo de exigências mais ou menos apertadas. Desde o condicionamento da implantação de estabelecimentos fabris até à qualidade dos produtos, pas- sando pelas questões de higiene e segurança e tudo o que tem a ver com as condições de trabalho, é vasto o conjunto de deveres a que se podem achar sujeitas as empresas. É o cumprimento dessas obrigações legais (lato sensu, incluindo as de origem comunitária, bem como a vertida em regulamentos internos] que a CRP manda ao Estado “fiscalizar”. A noção de fiscalização não pode ser interpretada restritivamente, no sentido de observação, monitorização e supervisão. Na verdade, trata-se de verificar se as obrigações legais são cumpridas e punir as infrações verificadas. Por isso, ela pode revestir variadas formas, que vão desde as medidas de polícia económica (inspeções, etc.) até às figuras sancionatórias mais graves que constituem o direito penal da economia. A função jurídico-constitucional desta norma é, desde logo, a de afastar qualquer dificuldade à admissibilidade dessas medidas, que pudesse resultar da garantia constitucional da liberdade de iniciativa privada.» As normas dos artigos 20.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, e da Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, têm em vista, justamente, a proteção do interesse geral, que terá sempre de ser tido em
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