TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

223 acórdão n.º 274/12 2.3. Da inconstitucionalidade material A recorrente pretende ainda ver sindicada a constitucionalidade material da Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, alegando que a mesma viola os princí­pios constitucionais consagrados nos artigos 12.º, n.º 2, 81. º, alínea f ) , e 86.º da Constituição. Segundo a recorrente, no anexo desta portaria, na Tabela n.º 1, no primeiro asterisco, é criada a obri- gatoriedade da monitorização em contínuo, inde­pendentemente do volume mássico máximo, quando o combustível utilizado é o coque de petróleo, originando-se, dessa forma, uma discriminação de tratamento entre empresas do mesmo setor e do mesmo ramo quando todas obedecem às mesmas regras de autorização, licenciamento e de controlo dos limites de emissão. Refere ainda a recorrente que apenas é exigida a medição em contínuo de um único elemento, o dióxido de enxofre (SO­ 2 ), apesar de a composição do coque de petróleo e a forma da sua combustão nos fornos das cerâmicas tornar impossível em termos químicos que os limites estabelecidos na lei sejam ultrapas­sados, uma vez que o coque de petróleo tem um valor de enxofre constante, sem­pre inferior ao limite legal, sendo, por isso, impossível ultrapassar os limites esta­belecidos para o SO 2 . No entanto, alega a recorrente, apenas para a combustão de coque de petróleo é imposta a monitori- zação independentemente de se atingir ou não os limites máximos, não estando prevista qualquer exceção, não havendo motivos económicos para a diferenciação em relação a este combustível porque Portugal não é autossuficiente ou produtor de qualquer combustível utilizado na indústria cerâmica – gás natural e coque de petróleo. Sustenta, por isso, que a Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, viola o princípio da universalidade pre- visto no artigo 12.º, n.º 2, da Constituição, no tra­tamento e abrangência de todas as empresas; o princípio da livre concorrência e acesso igual de todas as empresas no mercado, estabelecido no artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição, ao criar regras diferentes para situações iguais interferindo ao nível da concorrência empresa- rial; e o artigo 86.º da Constituição, pois, ao criar desigualdades de tratamento obsta ao incentivo e, mesmo, à eficaz fiscalização das empresas. a) Da violação do princípio da universalidade Sob a epígrafe, “princípio da universalidade”, o artigo 12.º da Constitui­ção dispõe, no seu n.º 1, que “ todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujei­tos aos deveres consignados na Constituição”, acrescen- tando o n.º 2 que “as pes­soas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.” Trata-se de um princípio geral dos direitos fundamentais, do qual decorre que todas as pessoas são, ipso facto, titulares de direitos (e deveres) fun­damentais. Relativamente às pessoas coletivas, é-lhes reconhecida no n.º 2 deste artigo a capacidade de gozo de direitos (e de submissão a deveres), superando assim uma conceção de direitos fundamentais exclusivamente centrada sobre os indivíduos. Contudo, as pessoas coletivas não podem ser titulares de todos os direitos e deveres fundamentais, mas apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza. Saber quais são esses direitos implica uma análise casuística, que tenha em conta, desde logo, a própria natureza de cada um dos direitos funda­mentais – sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas –, bem como da natureza das pessoas colecti­vas em causa. No caso dos autos, não se vislumbra de que modo é que as normas sin­dicadas possam contender com o princípio da universalidade, sendo que a recorrente se limita a afirmar que a Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, viola o refe­rido princípio consagrado no artigo 12.º, n.º 2, da Constituição, “no tratamento e abrangência de todas as empresas”. Com efeito, a portaria em questão estabelece a obrigatoriedade de monitorização em contínuo das emissões por parte das empresas que utilizem o coque de petróleo como combustível. Ou seja, estabelece

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