TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fixação dos limites das coimas e a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim, dentro dos limites do regime geral, pode o Governo, no exercício da sua competência legislativa concorrente, criar contraordenações novas e esta­belecer a correspondente punição, modificar ou eliminar contraordenações já existentes e moldar regras secundárias do processo contraorde- nacional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 56/84, 158/92, 269/87, 345/87, 412/87, 175/97, 236/03 e 578/09, acessíveis na Internet, como os restantes Acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt ). Assim, não restam dúvidas que a definição de contraordenações e o estabelecimento da respetiva puni- ção se inserem na competência legislativa do Governo, que goza de uma ampla liberdade nessa matéria, desde que a sua atua­ção se contenha dentro dos limites do regime geral do ilícito de mera ordenação social. No caso dos autos, o comportamento objeto de censura contraordena­cional consiste na violação da imposição da obrigatoriedade de monitorização em contínuo de determinadas emissões poluentes, resul- tando claro do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, concretamente, dos artigos 20.º, n. os 1 a 3, e 34.º, n.º 2, alínea f ), que fixam o conteúdo de tal obrigação e a sanção para o incumprimento da mesma, qual a conduta que os agentes económicos dele destinatários devem adotar. O referido Decreto-Lei foi emitido pelo Governo no uso da sua compe­tência própria [cfr. artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição], com respeito pelos limites estabelecidos no Decreto-Lei n.º 433/82, de 21 de outubro. Por outro lado, a norma remissiva do artigo 20.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei não é uma norma em branco que delegue na portaria o poder de definir o conteúdo da incriminação ou a própria incriminação. Os critérios do ilícito contraordenacional encontram-se nas referidas normas dos artigos 20.º e 34.º, n.º 2, alínea f ), do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, sendo que a fixação, feita pela portaria, dos limites a partir dos quais existe obrigatoriedade de monitorização em contínuo das emissões de poluentes não traduz um critério autónomo de ilicitude ou a formulação de um juízo valorativo de natureza contraordenacional, mas apenas a concretização da obrigação já constante do referido Decreto-Lei, sendo legítimo que o legislador remeta tal matéria para portaria por a mesma não estar sujeita a qualquer reserva de lei. Daí que, quando na Portaria n.º 80/2006, de 23 de Janeiro, se estabelece que, para as instalações de combustão que consomem coque de petróleo como combustível, o regime de monitorização em contínuo é de caráter obrigatório, independentemente do caudal mássico, o legislador atua ainda com base nos poderes decorrentes da remissão efetuada pelo artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, não se podendo concluir que, desta forma, tenha sido criada uma nova contraordenação, por portaria. Impor-se que, relativa- mente ao consumo de determinado produto, a monitorização em contínuo é sempre obriga­tória, não deixa de se inserir na tarefa concretizadora de fixação dos limites a partir dos quais a emissão de poluentes deve ser monitorizada continuamente. Em suma, o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, remete para portaria apenas o esta- belecimento dos limites a partir dos quais é exigida a monitorização em contínuo das emissões de poluentes, não sendo a previsão con­tida no primeiro asterisco da Tabela n.º 1 do Anexo referido no artigo 1.º da Porta­ ria n.º 80/2006, de 23 de janeiro, que, em si mesma, cria qualquer contraordena­ção. Finalmente, não se estando, nos termos expostos, perante matéria inte­grante da reserva de competência relativa da Assembleia da República (que, como vimos, abrange apenas o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do res­pectivo processo), a intervenção legislativa do Governo na criação da contraorde­ nação em causa nos autos e no estabelecimento da correspondente punição não carecia de qualquer autori- zação parlamentar, contrariamente ao que entende a recorrente. Não se pode, pois, entender, ao contrário do que sustenta a recorrente, que tenha sido violado o disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea d), e 198.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição.

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