TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

173 acórdão n.º 248/12 da tutela jurisdicional efetiva e proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portu- guesa. Um dos direitos consagrados nesta norma constitucional é o direito de acesso aos tribunais, o qual compreende, enquanto “subdireito”, o direito de ação, o qual, por sua vez, se há de efetivar através de um processo equitativo, enquanto processo “materialmente informado pelos princípios materiais de justiça nos vários momentos processuais”, incluindo o “direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte...” e “o direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado a uma justiça material sem demasiadas peias formalísticas” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constitui- ção da República Portuguesa – Anotada , Coimbra Editora, 4.ª edição, pp. 414 a 416). E, conforme tem sido consisten- temente entendido pelo Tribunal Constitucional, a violação do princípio da proibição da indefesa, verificar-se-á sobre- tudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses. Ora, a requerente, ao intentar o presente requerimento de insolvência, invocando uma transação que, como sabia já na data em que o intenta, estava sujeita a uma ação destinada à sua anulação, coloca, por força da especial tramitação do processo de insolvência, a requerida mulher (autora na ação de anulação), numa situação de inde- fesa, por lhe estar vedado o recurso a meios de prova que pode usar livremente naquela outra ação, cujo objeto é, como acima se disse, instrumental, ou pré-requisito para a decisão da presente ação. Na verdade, conforme já se escreveu (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 1489/09.7TYLSB.Ll-7. embora seguindo uma forma diversa de abordar o problema), “por força dos princípios de urgência e celeridade que lhe subjaz, o processo [ de insolvência] não atribui às partes as garantias de um processo declarativo comum”. A única forma de assegurar essa defesa, de forma completa e eficaz, de acordo com os princípios gerais do processo, é garantir que o processo onde se discute – com todas as garantias – a questão prejudicial, siga os seus termos, suspendendo-se a presente instância até à decisão daquele, com trânsito em julgado, ou seja, aplicando o princípio do artigo 279.º, n.º 1, do CPC, aplicação essa vedada, por sua vez, pelo artigo 8.º, n.º 1, do CIRE, por implicar uma suspensão da instância não expressamente prevista na regulação do processo de insolvência. A prosse- guirem os presentes autos os seus termos, estaria irremediavelmente perdida a possibilidade de exercício, por parte da requerida mulher, dos direitos mencionados no parágrafo anterior, caso viesse a ser decretada a sua insolvência. Sublinhe-se que, ao abrigo do princípio da proibição das “decisões surpresa”, consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, foram as partes do presente processo previamente ouvidas quanto à intenção do Tribunal em decidir nos termos expostos, nada tendo, em contrário, alegado. Por tudo o exposto, neste caso concreto, em conformidade com o referido artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, decide-se: a) Desaplicar, por inconstitucionalidade material (violação do principio da indefesa), o artigo 8.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na interpretação de acordo com a qual tal norma signifique, em todos os casos, mesmo colocando em causa o direito à tutela jurisdicional efetiva, a proibição da suspensão da instância nos casos previstos no artigo 279.º, n.º 1, do CPC; b) Determinar, nos termos do disposto no artigo 279.º, n.º 1, do CPC, a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos de ação declarativa ordinária que corre termos na Vara Mista deste Tribunal sob o no 3438/I0.1TBBRG (4). [...]» 4. A norma em causa possui a seguinte redação: « Artigo 8.º Suspensão da instância e prejudicialidade 1 – A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, exceto nos casos expressamente previstos neste Código. (...)»

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