TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Isto significa também que parte dos argumentos expendidos pelo Tribunal no Acórdão n.º 401/11 para justificar a conformidade constitucional do prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não são aplicáveis ao regime instituído na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo. Com efeito, não se colocam aqui considerações de maior ou menor maturidade do investigante e as preocupações de segurança jurídica não se sobrepõem à força da vivência social quando esta se traduz numa presunção de paternidade resultante da prova de estado, permitindo a investigação decorridos três anos sobre a morte do investigado. 1.2. No presente caso, não está em causa a conformidade constitucional do prazo de três anos após o falecimento do presumido progenitor. Trata-se, portanto, de descortinar se a imposição de tal prazo é razoá- vel e/ou proporcional, em vida do progenitor. Neste ponto, não pode deixar de repetir-se o que se disse nos Acórdãos n. os 626/09 e 65/10 deste Tri- bunal e de que fez eco a discussão parlamentar que antecedeu as alterações ao artigo 1817.º do Código Civil ( nomeadamente, a alteração do prazo de caducidade do direito de instauração de ação de investigação de paternidade assente em posse de estado de um para três anos): «[…] se o investigante é tratado como filho pelo pretenso pai durante um determinado tempo e de repente cessar esse tratamento é legítimo e com- preensível que o mesmo investigante mantenha durante um período de tempo, que até poderá ser longo, a legítima esperança de ver reatado o anterior relacionamento. Como se sabe, em muitos casos, a cessação do tratamento é provocada por “ligeiras zangas” ou motivos que, no domínio das relações familiares, tendem normalmente a resolver-se com o tempo. Neste contexto, é óbvio que a instauração da ação de investigação impede que o investigador volte a ter com o investigante o tipo de relação que com ele mantivera, já que a situação de litigância não favorece, de forma alguma, esse reatamento. Não nos parece, pois, aceitável exigir ao investigante que, no curto prazo de um ano a contar da cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai, venha aquele a intentar uma ação judicial contra este para ver reconhecida a sua paternidade. Força-se desta forma o investigante a obter através de um litígio o que muito provavelmente procuraria obter através de um ato voluntário, até porque já anteriormente beneficiou do tratamento de filho por parte do pretenso pai» (texto do Projeto de Lei n.º 303/VIII, anexo ao Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitu- cionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, de 19 de dezembro de 2000).  Ora, precisamente porque se trata de uma específica vivência social, postulada por um tratamento pater- nal dispensado a quem não figura no registo como filho, a alteração do prazo de caducidade do direito, em casos de posse de estado, de um para três anos, não altera aquelas conclusões. Na verdade, exigir que o filho instaure ação de investigação de paternidade no prazo de três anos após a cessação do tratamento como filho, quando tal cessação não é necessariamente definitiva – em vida do pretenso progenitor, o filho pode sempre almejar reatar com este as relações entretanto temporariamente cessadas – , impondo-lhe um ónus de ins- taurar ação contra o próprio pretenso pai e, com isso, arriscar lesar, em grau ainda maior, o relacionamento entre ambos, revela-se desadequado e desproporcionado. Ao fixar, nas situações em que o filho seja tratado como tal pelo pretenso progenitor, um prazo de caducidade em vida deste último, o legislador ficciona, sem qualquer fundamento válido, que a cessação do tratamento como filho é definitiva, quando se prolongue por mais de três anos. Assim, quando, por ato voluntário (ou omissão), o pretenso pai deixe de tratar o filho como tal, este tem três anos para propor a ação de investigação, o que significa que, na ótica do legislador, a “perda” da posse de estado – situação que, como se disse, é passível de recuperação com o tempo, através de nova aproximação entre os pretensos pai e filho – é definitiva, ainda que a realidade da vida possa demonstrar o contrário. 1.3. Por outro lado, a caducidade não constitui uma mera sanção pelo não exercício do direito durante um certo período de tempo. Como se explica em vários Acórdãos deste Tribunal, as razões de fixação de pra- zos de caducidade para a instauração de ações de investigação de paternidade prendem-se com preocupações de segurança jurídica ou, até, com razões no quadro do abuso de direito, como a que terá estado na assunção originária de prazos de caducidade nesta matéria – afastar aqueles que apenas queiram, com a declaração de

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