TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

163 acórdão n.º 247/12 n.º 3 do mesmo artigo prevê situações que, pela sua particularidade, autorizam que aquele prazo geral seja ultrapassado. No caso presente, a consideração pelo legislador das situações da vida em que o filho nascido fora do casamento é tratado como filho pelo progenitor, levou à conclusão de que a existência daquele “impe- dimento moral” (nas palavras do Acórdão n.º 65/10) justificava o alargamento do prazo, possibilitando que o filho instaure a ação de investigação a partir do momento em que cesse aquela posse de estado – cessação essa que ocorrerá, necessariamente, com a morte do presumido progenitor ou, em vida deste, quando, sendo ainda possível o tratamento como filho, o progenitor lhe ponha voluntariamente termo (Acórdão n.º 370/91). Daqui decorre, pois, que a ação de investigação de paternidade pode ser instaurada depois de decorridos 10 anos sobre a maioridade do investigante e mesmo após a morte do investigado, conquanto, neste último caso, a posse de estado se mantenha nessa data. Neste ponto, não pode deixar de citar-se a doutrina dos Acórdãos n. os 626/09 e 65/10, e de que fez eco a discussão parlamentar que antecedeu as alterações ao artigo 1817.º do Código Civil (nomeadamente, a alteração do prazo de caducidade do direito de instauração de ação de investigação de paternidade assente em posse de estado de um para três anos): “ […] se o investigante é tratado como filho pelo pretenso pai durante um determinado tempo e de repente cessar esse tratamento é legítimo e compreensível que o mesmo investi- gante mantenha durante um período de tempo, que até poderá ser longo, a legítima esperança de ver reatado o anterior relacionamento. Como se sabe, em muitos casos, a cessação do tratamento é provocada por «ligei- ras zangas» ou motivos que, no domínio das relações familiares, tendem normalmente a resolver-se com o tempo. Neste contexto, é óbvio que a instauração da ação de investigação impede que o investigador volte a ter com o investigante o tipo de relação que com ele mantivera, já que a situação de litigância não favorece, de forma alguma, esse reatamento. Não nos parece, pois, aceitável exigir ao investigante que, no curto prazo de um ano a contar da cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai, venha aquele a intentar uma ação judicial contra este para ver reconhecida a sua paternidade. Força-se desta forma o investigante a obter através de um litígio o que muito provavelmente procuraria obter através de um ato voluntário, até porque já anteriormente beneficiou do tratamento de filho por parte do pretenso pai” (texto do Projeto de Lei n.º 303/ VIII, anexo ao Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garan- tias da Assembleia da República, de 19 de dezembro de 2000). 12. Há que reconhecer que também nas situações em que ocorre a chamada “posse de estado” se pode justificar a previsão de um prazo de caducidade para a investigação da maternidade e da paternidade, desde que destinado à salvaguarda de outros valores ou interesses também eles merecedores de tutela do Direito. A caducidade das ações de investigação da filiação não constitui apenas uma sanção civilística pelo não exercício do direito durante um certo período de tempo. Como se explica nos vários Acórdãos deste Tribunal supra citados, as razões de fixação de prazos de caducidade para a instauração de ações de investigação de paternidade prendem-se com preocupações não só de segurança jurídica, mas também de abuso de direito, como a que terá estado na assunção originária de prazos de caducidade nesta matéria. Nesse seguimento, afirmou-se no Acórdão n.º 401/11: « A caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida definição, impul- sionando os titulares dos direitos em jogo a exerce-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção. Apesar dos decisivos progressos científicos no domínio da determinação da filiação biológica, conjugados com a evolução verificada nos valores dominantes no âmbito da filiação, terem determinado uma significativa desvalo- rização dos interesses que presidiam ao estabelecimento de prazos de caducidade para a propositura das ações de investigação da paternidade, alguns desses interesses não deixaram de manter um peso atendível pelo legislador nas suas opções de definição do regime da constituição da filiação.

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