TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

161 acórdão n.º 247/12 “ A este argumento – o de que o ‘impedimento moral’ (que fundamenta a previsão de um prazo de caducidade mais longo que o prazo-regra) se mantém presente após a cessação voluntária do tratamento como filho e perma- nece durante um longo período de tempo ou mesmo, em certos casos facilmente conjeturáveis, durante toda a vida do investigado – há ainda que acrescentar uma outra razão demonstrativa da limitação excessiva de tal prazo e respeitante ao termo inicial do mesmo. O prazo de 1 ano em questão começa a contar da ‘cessação voluntária do tratamento como filho’ pelo pre- tenso pai. É sabido que o tratamento de alguém como filho se traduz numa série de atos e atitudes do pretenso pai, destinados a prestar a investigante um mínimo de assistência material, afetiva e moral [...]. A cessação de tal tratamento consubstanciar-se-á também numa sucessão de atos ou atitudes – ou, muitas vezes, de meras omissões – demonstrativas, não só de que o investigado já não beneficia de tal assistência (cessação do tratamento como filho), mas também de que o investigante teve intenção de fazer cessar essa assistência (cessação voluntária). Daqui se extrai sem esforço a dificuldade em demonstrar o momento exato em que cessou o tratamento voluntário como filho. Embora a prova do esgotamento do prazo de caducidade incumba ao investigado (artigo 1817.º, n.º 6, do Código Civil, na redação da Lei n.º 21/98), o certo é que estas circunstâncias agravam a exiguidade do prazo em questão. Em rigor, obrigam o investigado a, por cautela, agir judicialmente ao primeiro sinal de cessação voluntária do tratamento como filho, sob pena de deixar esgotar o curto prazo de 1 ano. Ou seja, nas palavras do citado voto de vencido, «obriga-se o investigante a tentar obter por via de um litígio o que ele, muito humanamente procurará obter por via de um ato voluntário, tanto mais quanto já beneficiou do tratamento como filho por parte do inves- tigado». Em suma, a norma constante do n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil (na redação da Lei n.º 21/98, de 12 de maio), aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a proposição da ação de investigação de paternidade, o prazo de um ano a contar da data em que tiver cessado voluntariamente o tratamento como filho, traduz uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, em violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.» 7. Já anteriormente, no Acórdão n.º 626/09, o Tribunal julgara inconstitucional, “por violação do dis- posto nos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma constante do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, quando interpretado no sentido de estabelecer um limite temporal de 6 meses após a data em que o autor conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito no qual o pretenso pai reconhece a paternidade, para o exercício do direito de investigação da paternidade”. Em causa estava o prazo legalmente fixado para instauração de ação de investigação de paternidade então previsto no n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil e que encontra agora previsão na alínea a) do atual n.º 3 do mesmo artigo, introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril. Escreveu-se no referido Acórdão que “O estabelecimento de um prazo de caducidade para o exercício do direito à investigação de paternidade nestes casos, revela-se, em abstrato, uma limitação adequada, necessária e proporcional deste direito, para satisfação do interesse da segurança jurídica, como elemento essencial de Estado de direito (artigo 2.º da CRP). Contudo, para além do modo como se processa a contagem desse prazo, importa também saber se este permite, em concreto, o exercício do direito em tempo útil, ou se, pelo contrário, é de tal modo exíguo que inviabiliza ou dificulta gravemente esse exercício, tornando-se numa verdadeira restrição ao conteúdo daquele direito fundamental [...]. O prazo de caducidade de 6 meses em apreço, ainda que estabelecido relativamente à existência de um documento escrito no qual o pretenso pai reconhece inequivocamente a sua paternidade, apresenta-se objetivamente exíguo para efeito de serena avaliação e ponderação de todos os fatores que podem condicionar a difícil tomada de decisão de investigar a paternidade por parte de quem até então não tinha quaisquer razões, ou pelo menos razões sérias, que justificassem a propositura de uma ação de investigação da paternidade contra uma determinada pessoa na qualidade de pretenso pai.[...]”. 8. Por fim, no Acórdão n.º 401/11, o Plenário do Tribunal não julgou inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que,

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