TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da intimidade da vida privada e familiar), seja no artigo 67.º (proteção da família), seja só no valor da segurança e certeza do direito, já que a tal valor objetivo, que intimamente se conexiona com o direito à proteção jurídica ( artigo 20.º), não pode negar-se semelhante dignidade num Estado justamente “de direito” – , eis como não pode ver-se excluída pela Constituição a solução consagrada pelo legislador nos preceitos questionados.[...]» No Acórdão n.º 370/91, o Tribunal seguiu a mesma linha, mas, debruçando-se sobre uma interpretação conforme à Constituição quanto à “cessação do tratamento como filho”, entendeu “não julgar inconstitucio- nal a norma constante do artigo 1873.º, com referência ao n.º 4 do artigo 1817.º, ambos do Código Civil, desde que interpretada no sentido de que a cessação do tratamento como filho só ocorre quando, conti- nuando a ser possível esse mesmo tratamento, o pretenso pai lhe ponha voluntariamente termo” (nos autos estava em causa uma interpretação segundo a qual a impossibilidade de continuação do tratamento como filho derivada de doença do pretenso pai correspondia a «cessação do tratamento como filho» para efeitos do disposto no então n.º 4 artigo 1817.º do Código Civil). 6. Todavia, no Acórdão n.º 65/10 foi julgada “inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 18. º, n.º 2, da Constituição, a segunda parte da norma constante do n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil ( na redação da Lei n.º 21/98, de 12 de maio), aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a proposição da ação de investigação de paternidade, o prazo de um ano a contar da data em que tiver cessado voluntariamente o tratamento como filho”. Considerou então o Tribunal: « Está totalmente afastado o risco de “envelhecimento” das provas. Contrariamente ao que acontecia ao tempo da Reforma de 1977, em que só se dispunham em Portugal de meios de prova que excluíam a paternidade (ou a maternidade), os meios de prova técnico-científicos hoje disponíveis permitem, mesmo após a morte, estabelecer uma percentagem de probabilidade de se ser o pai biológico (ou a mãe biológica) superior a 99,5%, o que, de acordo com as perícias médico-legais, corresponde a uma “paternidade praticamente provada” [...]. Assim, a jus- tificação relativa à prova perdeu todo o seu valor, atenta a atual eficácia e generalização das provas científicas. [...] Independentemente de saber se a previsão de um prazo de caducidade continua ao serviço da tutela de direitos ou interesses constitucionalmente relevantes [...] ou de se saber se é medida necessária (ou seja, conforme ao princípio da exigibilidade, incluído no princípio da proporcionalidade, em sentido amplo) à tutela dos interesses que se con- trapõem ao do investigante, o certo é que o prazo aqui concretamente em questão (prazo de 1 ano, consagrado no n.º 4 do artigo 1817.º, na redação anterior à Lei n.º 14/2009) não passa o teste da proporcionalidade (em sentido estrito).[…] Na economia do artigo 1817.º, o prazo de 1 ano previsto no n.º 4, in fine , constitui um alargamento do prazo- - regra fixado no n.º 1. As razões subjacentes são as resultantes da “compreensão das realidades práticas da vida”, assim resumidas por Antunes Varela (em Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, cit., pp. 84/85): “ Se o filho, nascido fora do casamento, for todavia tratado como tal pelo seu verdadeiro progenitor, embora este não figure no assento de nascimento nessa qualidade ou nem sequer haja no registo assento do seu nascimento, parece evidente que não existe, na esfera das suas recíprocas relações, nenhuma necessidade prática de determi- nação da relação de filiação, nem sequer ambiente propicio para a instauração da ação judicial. Um tal ambiente e a correlativa necessidade só surgem normalmente a partir do momento em que cessa o tratamento prestado ao investigante pelo seu pretenso progenitor. E daí que a lei, muito judiciosamente, para não fomentar a guerra em ambiente que era de paz familiar, só a partir do momento de rutura inicie a contagem do prazo dentro do qual a ação deve ser proposta, sob pena de caducidade.” Ora, precisamente pelas razões que fundamentaram a previsão de um prazo “mais alargado” para as situações em que o investigante beneficiava do tratamento como filho, se tem de concluir que o prazo de 1 ano a contar da cessação voluntária desse tratamento é, à luz dos critérios de proporciona- lidade e adequação exigidos pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, manifestamente insuficiente e desadequado.” [...]
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