TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
151 acórdão n.º 353/12 também é essa mesma responsabilidade, constitucionalmente estabelecida, que justifica a adoção de uma medida que se insere no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os vários Estados da União, maxime entre os vários Estados da “Zona Euro”, em ordem à estabilização financeira e económica dessa mesma “Zona Euro”. 4. Para resolver o conflito existente entre os direitos das pessoas a não verem reduzidas as remunerações auferidas pelo trabalho que se presta ou se prestou, e os princípios constitucionais que acabei de mencionar, a justiça constitucional dispõe dos instrumentos metódicos que os princípios da igualdade, da proporcionali- dade e da proteção da confiança lhe conferem. Estes três princípios, que integram o núcleo da ideia de Estado de direito, materialmente entendida, são na realidade os meios idóneos para a resolução de antinomias entre bens jurídicos individuais e bens comunitários (no caso da proporcionalidade), entre o grau de justiça alcan- çado por soluções legislativas de aplicação universal e o grau de justiça alcançado por medidas legislativas de aplicação pessoal sectorial (como é o caso da igualdade), ou entre a vocação da ordem jurídica para a duração estável e a necessidade, sentida pelo legislador ordinário, de romper essa estabilidade de forma a melhor servir o interesse público (como é o caso do princípio da proteção da confiança). No entanto, para que se possa invalidar certas soluções legislativas com fundamento na aplicação destes instrumentos metódicos, é necessário que em qualquer caso se saiba que tais soluções legislativas podiam e deviam ter sido outras, que, com idêntico grau de eficácia, servissem os mesmos fins de interesse público (ou realizassem os princípios constitucionais que esse interesse convoca) de modo mais igual para todos, mais benigno para cada um, e mais conforme com as expectativas de alguns. Não me parece que, no caso colocado à apreciação do Tribunal, estivesse este em condições de saber da existência efetiva destas medidas legislativas alternativas que fossem igualmente eficazes para a realização dos fins de interesse público que, constitucionalmente, o legislador estava obrigado a prosseguir e, ao mesmo tempo, menos lesivas dos direitos das pessoas que, em última análise, se devem salvaguardar. A maioria entendeu que, por razões de evidência, era certa a existência dessas medidas alternativas quando analisado o problema sob o ponto de vista do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos. A medida ablatória de parte dos rendimentos dos trabalhadores do setor público e dos pensionistas e reformados foi julgada inconstitucional por violação deste princípio, por se entender que a intensidade do sacrifício, que por via dessa medida, por razões de interesse público, se impunha apenas a alguns, era tal que exigia a sua universal repartição por todos. Discordei, por estar convicta de que não dispunha aqui o Tribunal de nenhuma evidência que lhe permitisse comparar o grau de sacrifício exigido aos afetados por estas medi- das e o grau de sacrifício efetivamente sofrido por outros (nomeadamente os trabalhadores do setor privado) com a conjuntura económica existente. Assim sendo, foi também minha convicção que não estava a justiça constitucional epistemicamente apetrechada para invalidar, neste caso, a decisão tomada pelo legislador. Foi por isso que me pronunciei pelo juízo da não inconstitucionalidade. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Não tendo acompanhado a declaração de inconstitucionalidade das regras impugnadas cumpre agora explicitar brevemente as razões da nossa divergência. 2. O Acórdão considera “que é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia”, acrescentando que “a liberdade do legislador recorrer ao corte das remunerações e pensões das pessoas que auferem por verbas públicas, na mira de alcan- çar um equilíbrio orçamental, mesmo num quadro de uma grave crise económico-financeira, não pode ser ilimitada”, e que “ a diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites”.
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