TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
149 acórdão n.º 353/12 Por outro lado, na perspetiva da onerosidade para os destinatários, o juízo de proporcionalidade depende não só da intensidade imediata da afetação dos direitos dos destinatários das medidas, mas também do cará- ter cumulativo e continuado dos sacrifícios impostos ao longo do tempo. O decurso do tempo implica um acréscimo de exigência ao legislador no sentido de encontrar alternativas que evitem que, com o prolonga- mento, o tratamento diferenciado se torne claramente excessivo para quem o suporta. Deste modo, na parte em que as medidas adotadas se destinam a vigorar para um período que ultrapassa o exercício orçamental de 2012, não pode considerar-se que a compressão do princípio da igualdade que as normas em causa implicam se tenha restringido ao necessário para fazer face à situação de emergência que as ditou como medidas excecionais de estabilidade orçamental. Em conclusão: as normas dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, apenas deve- riam ter sido declaradas inconstitucionais na parte em que a suspensão, nelas estabelecida, do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.º e 14.º mês tem um âmbito de aplicação que excede o exercício orçamental de 2012. – Vítor Gomes . DECLARAÇÃO DE VOTO 1. A questão colocada ao Tribunal é uma questão difícil. A primeira exigência que ela coloca é metódica: para a resolver, é preciso seguir um caminho argumentativo solidamente ancorado em razões jurídico-consti- tucionais. Não vi este caminho ser seguido pela fundamentação adotada, e por isso me distanciei, desde logo, da posição sufragada pela maioria. A meu ver, o Tribunal deveria ter esclarecido três pontos fundamentais: ( i ) qual o estatuto constitucional das posições jurídico-subjetivas afetadas com a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal; ( ii ) qual o conteúdo do princípio ou princípios constitucionais que poderão justificar a compressão dessas posições subjetivas; ( iii ) finalmente, qual o alcance dos instrumentos de que dispõe o juiz constitucional para resolver a antinomia existente entre os direitos das pessoas, afetadas pelas medidas orçamentais, e os princí- pios constitucionais com elas conflituantes. 2. A Constituição portuguesa protege especialmente o trabalho e os rendimentos que com ele se aufere. Os direitos e liberdades fundamentais que consagra são direitos do cidadão enquanto pessoa, enquanto membro da comunidade política e enquanto trabalhador. No entanto, não pode dizer-se que o direito à não diminuição do montante da retribuição do trabalho que em cada momento se aufira tenha o estatuto de direito fundamental, resistente à lei porque atribuído às pessoas pela Constituição. A razão para tal não está no facto de esse direito não constar, expressamente, do elenco da parte primeira da constituição. Pode haver direitos fundamentais não escritos: nenhuma constituição é um código fechado, ou uma regulamenta- ção exaustiva de todas as relações entre cidadãos e Estado; não o é também, por isso, a CRP. O motivo está na impossibilidade de atribuir a tal direito o estatuto substancial de fundamentalidade. Precisamente por nenhuma constituição poder ser entendida como um código exaustivo das relações entre cidadãos e Estado, nenhuma, nem tão pouco a CRP, pode garantir que o quantum da remuneração do trabalho exista sempre em crescendum e nunca diminua, ao mesmo título a que garante os direitos e liberdades fundamentais. Aquilo que é fundamental prima sobre a lei porque resiste a ela, e à variabilidade das circunstâncias históricas em que ela é feita. O quantum da remuneração que, num dado momento histórico, se aufere pelo trabalho que se presta ou prestou não está incluído no núcleo das posições jurídico-subjetivas caracterizadas por este ele- mento substancial de invariabilidade ao tempo histórico da lei e às suas circunstâncias. 3. Não obstante, e porque a Constituição portuguesa protege especialmente o trabalho e os rendimen- tos que com ele se aufere, a posição jurídico-subjetiva das pessoas a não verem diminuídas esses mesmos rendimentos (através da ablação, pelo Estado, de uma percentagem significativa do seu montante), tem a
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