TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
117 acórdão n.º 229/12 Seja qual for o entendimento que se der a essa exceção – nomeadamente saber se a consagração constitucional dessa exceção visa, e tão só, o estabelecimento de uma regra de competência de harmonia com a qual se admite a possibilidade de, sem que esteja em causa um procedimento criminal culminante com uma sentença judicial con- denatória, os chefes militares poderem impor penas de prisão – , o que é certo é que se intentou consagrar que um tal género de sanção possa ser aplicável fora daquele processo (…).» Mas, ao excetuar a prisão disciplinar imposta a militares, quanto ao princípio da proibição da privação da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória, a Constituição obriga, como se viu, a que tal sanção seja prevista «com garantia de recurso para o tribunal competente», assim tutelando, de modo particular, os direitos dos militares a ela sujeitos. Ora, como se escreveu, relativamente a este segmento, no já citado Acórdão n.º 90/88, no caso da pena de prisão disciplinar, o sentido desta garantia expressa de impugnação junto do tribunal competente poderá ser, entre outros que então se mencionaram, «provavelmente, o de apontar para a conveniência de a lei prever, neste caso, um recurso de âmbito mais vasto do que o mero recurso contencioso de anulação, com fundamento em ilegalidade, garantido no artigo 268.º, n.º 3 [hoje n.º 4]. De qualquer forma, o alcance do disposto na alínea c) do n.° 3 do artigo 27.° da Lei Fundamental [hoje alínea d) ] só pode ser o de reforçar a garantia constitucional do recurso contencioso». De facto, a previsão da alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição não se limita a garantir a pos- sibilidade de impugnar uma pena de prisão disciplinar junto dos tribunais, finalidade que seria já assegurada pela previsão constitucional genérica do artigo 268.º, n.º 4. Nos termos da Constituição, a prisão disciplinar imposta a militares deve ser consagrada em moldes tais que garantam que uma pretensão deduzida em juízo, relativa à aplicação dessa sanção, possa ainda ter utilidade. Na ausência de decisão judicial condenatória impondo a pena de prisão disciplinar militar, a Constitui- ção pretende assegurar que a imposição administrativa da prisão possa, com utilidade, ser impugnada junto dos tribunais, devendo, para o efeito, o militar poder dispor de tempo adequado. A possibilidade de execução da pena de prisão disciplinar logo após o indeferimento do recurso hierár- quico não garante a efetividade do controlo jurisdicional que venha a ser instaurado. Tal impugnação, para ter efeito útil, deveria assegurar que o militar pudesse dispor de tempo suficiente de modo a discutir a aplicação de tão gravosa sanção, o que não acontece. E a falta de resposta atempada do sistema judicial gera, nestes casos, uma lesão irreversível do direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1, da Cons- tituição). Em suma, a regra estabelecida no n.º 1 do artigo 51.º do RDM não acautela a utilidade da impugnação judicial quando, após decisão do recurso hierárquico, impõe que a sanção de prisão disciplinar militar seja cumprida de imediato: isto é, havendo sido interposto recurso hierárquico, a execução da pena terá lugar logo que lhe seja negado provimento. Não se argumente, para salvar a constitucionalidade da norma que vem impugnada, que, de todo o modo, sempre estariam previstos na lei mecanismos para impugnação das medidas disciplinares, nomeada- mente da prisão disciplinar, alguns dos quais consubstanciam verdadeiros mecanismos de natureza cautelar. Ainda que seja possível discutir judicialmente a sanção disciplinar depois de ela ter sido decidida com todas as formalidades previstas na lei, incluindo o recurso hierárquico obrigatório, na verdade, os meios de impug- nação das medidas disciplinares, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as especialidades introduzidas pela Lei n.º 34/2007, de 13 de agosto, – que não impedem a execução imediata da sanção – , não garantem ao militar uma utilização ainda útil do recurso aos tribunais, para obtenção de uma decisão que se pronuncie sobre a sanção disciplinar aplicada. Aliás, mesmo estando previstas providências cautelares – diga-se, com critérios especiais de decisão mais gravosos para os militares em matéria de disciplina (Lei n.º 34/2007) – incluindo medidas de suspensão da eficácia, o facto de poder ter sido requerida uma tal providência não dá lugar à suspensão imediata da execu- ção da sanção disciplinar militar, nem assegura necessariamente, a utilidade da discussão judicial da sanção.
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