TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na sequência dos artigos 7.º e 11.º, os artigos 12.º a 24.º definem os deveres militares e é a violação a esses deveres que constitui infração disciplinar. Nestes, a lei utiliza a técnica legislativa dos “exemplos- - padrão”, que consiste na cumulação dum conceito aberto com uma série de exemplos que o concretizam e, dessa forma, delimitam. Essa técnica não é usual no Direito Penal, embora seja aí admitida (veja-se Figuei- redo Dias, “Anotação ao Artigo 132.º”, in Comentário Conimbricense ao Código Penal , Tomo I, Coimbra 1999, p. 28). Ela é, contudo, a técnica mais habitual no direito disciplinar, onde são diversos do direito criminal o balanceamento e os critérios de prevalência entre as exigências de segurança e formalização e as exigências de justiça concreta e adequação material. Como diz Taipa de Carvalho ( Direito Penal , 2. ª edição, 2008, p. 147), “Diferentemente do direito penal, e até do direito de ordenação social, o direito disciplinar utiliza, na definição das infrações disciplinares, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, exceto no caso da menos grave das infrações dis- ciplinares em que há apenas a cláusula geral ”. Esta é, portanto, a técnica característica do direito disciplinar. Vendo os artigos do RDM que definem os diversos deveres dos militares cujo incumprimento é susce- tível de constituir infração disciplinar, verificamos que eles são relativamente minuciosos na exemplificação dos conceitos que posteriormente permitirá a sua delimitação analógica, segundo a racionalidade própria dos “exemplos-padrão” em que o conceito geral e os exemplos se devem interpretar em recíproca correlação. Poderia, porventura, censurar-se a técnica de definição das infrações através do incumprimento de “ deveres” em vez da indicação de “factos”. Mas é a primeira que é comum a todo o direito disciplinar. E isto porque ela permite maior amplitude na apreciação dos factos (que podem revelar-se mais ou menos comple- xos) em vista das exigências de adequação material da sanção disciplinar. Não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no domínio disciplinar com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás nem sequer existe no artigo 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no artigo 32.º a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios ( artigo 32.º, n.º 10). Ainda assim, deve entender-se que, pelo menos no que respeita às infrações mais graves, devem evitar-se conceitos demasiado vagos na definição de tais infrações. Mas a verdade é que os artigos 12.º a 24.º do RDM não são sob este ponto de vista censuráveis. Eles são até relativamente precisos, tipificando, de forma copiosa, exemplos de infração a cada um dos deveres enumerados. No domínio disciplinar mais não se pode exigir. Acresce, todavia, o facto de não haver no RDM uma conexão entre as infrações legalmente definidas e as penas disciplinares aplicáveis. Na verdade, em matéria de punição criminal exige-se não só a tipicidade das infrações e das penas, como exige também uma conexão clara entre ambas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4. ª edição, Coimbra, 2007, p. 495). Uma pessoa só pode sofrer uma pena “cujos pres- supostos estejam fixados em lei anterior” (artigo 29.º n.º 1, da Constituição). Ora o RDM não estabelece qualquer conexão direta entre as diversas infrações e cada uma das penas disciplinares. Este facto torna-se mais notório pelo contraste com o novo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o qual fixa uma ligação clara entre as infrações e as penas, ou, pelo menos, entre as penas mais graves e os respetivos pressupostos. Delimita, pois, os pressupostos específicos de cada um dos tipos de penas mais graves (artigos 16.º a 19.º). É necessário sublinhar que aquilo que está aqui fundamentalmente em causa é a questão da existência ou não de um princípio de tipicidade em relação ao direito disciplinar que inclua a conexão direta entre as infrações e as penas. Ora um tal princípio resulta, no que respeita ao direito criminal, do artigo 29.º, n.º 1 e do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição, que exigem a ligação da “sentença criminal” e das “penas” a determinados “ pressupostos” que lhes estejam referidos. Mas não existe apoio constitucional semelhante no que respeita ao direito disciplinar: desde logo, o teor da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, ao contrário da mencionada alínea c) , não aponta para a mesma exigência de conexão no que respeita a sanções discipli-
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