TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
111 acórdão n.º 229/12 Não se pode, de modo nenhum, admitir que o instrutor possa recusar meios de prova por os reputar “ impertinentes ou desnecessários”, ou por entender que estão “suficientemente provados os factos ale- gados pelo arguido na sua defesa”. Se tal se admitir, isso significa considerar que, uma vez instaurado o procedimento disciplinar, já nada mais restaria ao arguido provar, estando toda a convicção sobre a culpabilidade do agente já formada pelo instrutor. Ora é precisamente para contrariar este facto, ou seja, para conferir ao arguido a pos- sibilidade real de provar uma outra versão dos factos, se assim o entender, que o direito à defesa lhe é constitucionalmente conferido. Ao permitir que este direito fique sujeito a apreciação discricionária, esta disposição viola o direito à defesa e o princípio da presunção de inocência, tal como previstos no artigo 31.º, n. os 1 e 2, da CRP, sendo ainda suscetível de violar o direito à defesa, tal como previsto nos artigos 32.º, n.º 1 e 269.º, n.º 3, da CRP. 3. Resposta do órgão autor da norma Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e entregou cópia da documentação relativa aos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/2009, de 22 de julho. 4. Memorando Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu. II. Fundamentação 5. A questão da tipicidade das infrações e das penas O Requerente entende que o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) viola o princípio da tipicidade consignado no artigo 29.º da Constituição, em sede de direitos, liberdades e garantias. De facto, afirma o Requerente que o RDM define, nos artigos 7.º, 11.º e 12.º a 24.º, os deveres cujo incumprimento constitui infração disciplinar de um “modo excessivamente vago e indeterminado”, utili- zando “conceitos abertos, suscetíveis de múltiplas e contrárias interpretações”. Além disso, diz ainda, o mesmo Regulamento não estabelece qualquer conexão entre as infrações cometidas e as penas a aplicar, limitando-se a fazer uma enumeração dessas penas por ordem crescente de gravidade, podendo à partida, nos termos da lei, qualquer das infrações por mais leve que seja corresponder a qualquer das penas por mais grave que seja, sendo certo que algumas das penas − como a prisão disciplinar, a reforma compulsiva ou a separação de serviço − afetam direitos fundamentais dos militares de uma forma particularmente gravosa. Comecemos pelo primeiro ponto: a utilização de conceitos vagos e indeterminados na definição dos deveres cuja infração pode conduzir a uma sanção disciplinar. O artigo 7.º (que define a infração disciplinar como “o facto, comissivo ou omissivo, ainda que negli- gente, praticado em violação de qualquer dos deveres militares”) e o artigo 11.º (que enumera esses deveres militares) não definem, por si mesmos, nenhuma infração específica. No artigo 7.º afirma-se a relevância geral da omissão e da negligência, como é regra nos direitos sancionatórios de cariz não penal e, muito em especial, no direito disciplinar. E o artigo 11.º é a norma ordenadora dos conteúdos normativos que se encontram nos artigos seguintes − enumera os deveres militares e não tem por função delimitá-los para efeitos de definição de infrações.
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