TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para além disso, a especial autorização constitucional, estabelecida na alínea g) do n.º 3 do artigo 27.º da CRP, para que um ente administrativo aplique uma pena de detenção ou de prisão a um militar, em sede disciplinar, impõe uma garantia inequívoca de sindicabilidade judicial. Ora, o cumprimento da pena disciplinar de detenção ou de prisão logo que tenha sido negado provimento a um recurso hierárquico, sem que se preveja a suspensão da aplicação da pena no caso de ter sido interposto recurso judicial, viola aquela garantia constitucional e retira sentido útil ao processo jurisdicional. Não se atinge de resto como pode a interposição de recurso hierárquico suspender a decisão recorrida, nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 123.º, mas já não o recurso à justiça admi- nistrativa. De facto, a pena de proibição de saída ou de prisão será sempre cumprida “logo que [lhe] tenha sido negado provimento” ao recurso hierárquico (n.º 1 do artigo 51.º do RDM) pelo superior hierárquico do órgão com competência disciplinar. Tal solução normativa limita injustificadamente o acesso aos tribunais e constitui uma violação do disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 27.º da CRP, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no n.º 1 do artigo 20.º – O artigo 76.º do RDM vem regular certos aspetos relativos ao procedimento disciplinar, dispondo no seu n.º 2, que “Após a acusação, é facultada ao arguido e seu defensor a consulta do processo ou a pas- sagem de certidões, mediante requerimento escrito, dirigido ao instrutor, ficando aqueles vinculados ao dever de segredo”. O n.º 3, por sua vez, determina que “A passagem de certidões de peças de processo disciplinar só é permitida quando destinada à defesa de interesses legítimos, devendo o requerimento especificar o fim a que se destina e podendo ser proibida a sua divulgação.” Analisando estes preceitos, verificamos que o n.º 2 restringe já o acesso ao processo, ao dispor que apenas ao arguido e seu defensor é facultada a passagem de certidões. Assim sendo, não se compreende a limitação que o n.º 3 vem introduzir, quando refere que tais certidões só podem ser passadas no âmbito da “defesa de interesses legítimos”. O facto é que se deve entender que o arguido, sendo visado por procedimento disciplinar, terá sempre e em todo o caso um interesse legítimo no mesmo, que é o de poder defender-se. Não deve, pois, permitir-se que se coloque um possível entrave ao direito de defesa dos militares, ficando este à mercê de uma apreciação hierárquica do que constitui ou não a “defesa de interesses legítimos”. OTribunal Constitucional veio já considerar, até, inconstitucional a recusa de passagem de certidões no âmbito de um procedimento de avaliação do foro militar, por violar o direito de acesso aos documentos administrativos, previsto no artigo 26.º, n. os 1 e 2, da CRP. Refere o Tribunal Constitucional, no Acór- dão n.º 80/95, que “privando os interessados (exceção feita do próprio militar avaliado) da possibilidade de obterem certidões que se mostrem necessárias à instrução dos recursos que, acaso, pretendam inter- por, acaba por atingir o núcleo essencial do mencionado direito à informação”. Desta forma, e se isto é verdade para o acesso a qualquer documento administrativo, mais a sua aplicação deve ser observada no âmbito de um procedimento sancionatório como o procedimento disciplinar ora em apreço. Acresce que nos termos do n.º 3 do artigo 269.º da CRP, o direito de defesa do arguido é expressamente garantido em processo disciplinar. O RDM está, assim, a permitir uma possível violação ao direito de defesa do arguido, constitucional- mente previsto no n.º 1 do artigo 32.º e no n.º 3 do artigo 269.º da CRP, bem como do direito de acesso aos documentos, assegurado pelo artigo 268.º − As considerações acima mencionadas são também válidas para os artigos 94.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, do RDM. Sob a epígrafe “Diligências de prova”, o n.º 2 do artigo 103.º dispõe que “O instrutor pode recusar, em despacho fundamentado, as diligências requeridas, quando as repute meramente dilatórias, impertinentes ou desnecessárias, ou considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido na sua defesa”. Disposição semelhante está contida no n.º 2 do artigo 94.º Sendo o procedimento disciplinar de natureza sancionatória, sempre se conclui que o arguido temo direito à sua defesa, podendo para isso empregar os meios que considere suficientes. Desta forma, é de duvidosa constitucionalidade que possa caber ao instrutor avaliar quais os meios de prova que o arguido deve ou não indicar. Só o arguido está emcondições de aquilatar acerca dosmeios e elementos de prova da sua inocência.

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