TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
109 acórdão n.º 229/12 que “o artigo 27.°, n.º 2, alínea d), da Constituição (...) permite a privação da liberdade em consequên- cia da aplicação de prisão disciplinar a militares – mas não é possível extrair dela nada a respeito dos princípios e das garantias processuais que tal aplicação tem constitucionalmente de respeitar, e, muito menos, qualquer argumento de distinção genérica do processo criminal, cujas garantias estão previstas no artigo 32.º (e não no artigo 27.º) da Constituição”. E no mesmo Acórdão diz Maria Fernanda Palma: “(…) entendo que a previsão, no artigo 27.°, n.º 3, alínea d), da Constituição, da prisão disciplinar militar não corresponde, a qualquer título, a uma legitimação de um processo militar disciplinar sem o essencial das garantias do processo penal” e que “Não posso, no entanto, aceitar a ilação de que tal ilícito e a respetiva sanção permitem um aligeiramento nas garantias de defesa que são atribuídas ao respetivo processo. Essas, quanto a mim, hão de ser, no essencial, idênticas às garantias essenciais do processo penal, nomeadamente no que se refere, pelo menos numa medida mínima”. Na mesma linha, cite-se ainda, por exemplo, o Acórdão, n.º 90/88, publicado no Diário da República n.º 111, de 13 de maio: «Este Tribunal já teve ocasião de afirmar que, por vezes, se há de entender que certos princípios expressamente consagrados para o processo criminal são igualmente válidos, “na sua ideia essencial, nos restantes domínios sancionatórios, e agora, em particular, no domínio disciplinar”» ( cfr. o Acórdão n.º 103/87, publicado no Diário da República, 1. ª série, de 6 de maio de 1987). Nestes termos, deve concluir-se que, muito embora a disciplina militar possa ter uma natureza espe- cífica, sempre lhe devem ser aplicadas as garantias previstas para o processo criminal, dada a natureza eminentemente sancionatória de ambos. – O artigo 51.º do RDM, sob a epígrafe “Momento do cumprimento da pena”, dispõe no seu n.º 2 que “ As penas de repreensão e de repreensão agravada são cumpridas imediatamente a seguir à decisão que as aplicou”. Ou seja, aquelas penas são de aplicação imediata, sem qualquer possibilidade de recurso que possa sin- dicar, com efeito prático, a legalidade dos seus pressupostos e os critérios que determinaram a medida concreta da pena. Esta situação é tanto mais grave dado que a aplicação imediata deste tipo de penas leva a uma consumação imediata do efeito das mesmas. Ou seja, as penas de repreensão ou de repreensão agravada, dada a sua própria natureza, produzem todos os seus efeitos no momento da aplicação, não podendo ser reconstituída posteriormente a situação original. Consequentemente, é também inconstitucional a norma do artigo 123.º, n.º 2, do RDM que impede o efeito suspensivo do recurso hierárquico que tenha sido interposto contra a aplicação das penas de repreensão e repreensão agravada previstas no artigo 51.º, n.º 1. Estas disposições violam, em nosso entender, o princípio da presunção de inocência, tal como previsto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, bem como as garantias de defesa do arguido genericamente garantidas no n.º 1 do mesmo preceito constitucional. – Mas também o disposto no n.º 1 do artigo 51.º do RDM enferma dos mesmos vícios de ofensa ao princípio constitucional da presunção da inocência e das garantias de defesa do arguido, afrontando ademais, diretamente, o comando constitucional que decorre da alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º da CRP. Senão vejamos: Dispõe o n.º 1 do artigo 51.º do RDM que “as penas disciplinares militares” logo também as penas de prisão disciplinar e de proibição de saída − “são cumpridas logo que expirado o prazo para a interposição do recurso hierárquico sem que este tenha sido apresentado ou, tendo-o sido, logo que lhe seja negado provimento”. A presente formulação legal significa porventura um avanço significativo relativamente ao RDM ante- rior onde se não previa sequer o diferimento do cumprimento da pena disciplinar em razão do uso pelo arguido das normais garantias administrativas, mormente o recurso hierárquico. Agora, na norma em questão, assegura-se a garantia do recurso hierárquico, mas continua a não ficar assegurada a via da impugnação jurisdicional de ato sancionatório quando dele implique a aplicação, e posterior cumpri- mento, de uma pena privativa da liberdade.
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