TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL portuguesa. São nomeadamente postos em causa o princípio da presunção de inocência, o princípio da legalidade, o princípio da tipicidade, o direito de defesa do arguido e o princípio da igualdade. – O Regulamento de Disciplina Militar define, no seu artigo 7.°, “infração disciplinar” como “o facto, comissivo ou omissivo, ainda que negligente, praticado em violação de qualquer dos deveres militares”. O artigo 11.º do RDM enuncia os “deveres gerais e especiais” dos militares, contendo o seu n.º 2 um elenco concreto dos mesmos, em diversas alíneas. São estes os deveres de obediência, autoridade, disponibili- dade, tutela, lealdade, zelo, camaradagem, responsabilidade, isenção política, sigilo, honestidade, correção e aprumo. Por sua vez, os artigos 12.º a 24.º procuram concretizar o conteúdo de cada um desses deveres. No entanto, estes deveres militares surgem indicados de modo excessivamente vago e indeterminado. Ora, segundo o princípio da tipicidade, garantia fundamental na ordem jurídica portuguesa, “Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior” (artigo 29.º, n.º 3, da Constituição). Todavia, o conteúdo dos deveres militares não surge “expressamente” definido, tal como o exige o artigo 29. º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Os deveres a que os militares estão sujeitos aparecem definidos através de conceitos abertos, suscetíveis de múltiplas e contrárias interpretações. Na prática, isto significa que um mesmo facto pode ser considerado infração ou não consoante o aplicador, desaparecendo todo o caráter de certeza e previsibilidade que a norma sancionatória deve ter. Esta enunciação põe, ainda, em causa o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, na medida em que a factos materialmente idênticos podem corresponder diferentes penas, consoante o livre arbítrio de quem conclui o processo e determina a pena aplicável. − Os artigos 30.º a 38.º do RDM enunciam as “penas aplicáveis pela prática de infração disciplinar”. Refere o artigo 30.º que, “pela prática de infração disciplinar” (ou seja, pela violação dos deveres acima referidos), são aplicáveis as penas de repreensão, repreensão agravada, proibição de saída, suspensão de serviço e prisão disciplinar (n.º1). Este artigo refere ainda que estas penas são aplicáveis “por ordem crescente de gravidade”. Quer isto dizer, e é esta a lógica subjacente ao Regulamento de Disciplina Militar, que não há uma cor- respondência exata entre infração e pena, entre um facto que consubstancie uma violação concreta de um dever e a sua sanção. Ou seja, a qualquer infração pode corresponder a aplicação de uma qualquer pena, sem que exista uma clara previsibilidade na lei das penas concretamente aplicáveis a cada um dos tipos específicos de infrações. Há aqui uma flagrante violação do artigo 29.º, n. os 1 e 3, da CRP, que dispõem, respetivamente, que “ Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior” e “Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior”. Esta situação é tanto mais grave quanto entre as penas aplicáveis se encontra uma pena privativa da liber- dade, a prisão disciplinar, à qual acrescem outras de outro cunho, mas que são suscetíveis de ter efeitos ainda mais nefastos na vida pessoal e profissional dos arguidos: a separação de serviço e a reforma compulsiva. − O procedimento disciplinar, em especial o procedimento disciplinar militar, tem uma natureza bastante gravosa do ponto de vista das penas aplicáveis, assumindo uma natureza em tudo semelhante à do pro- cesso criminal. Se atentarmos no artigo 30.º do RDM, este prevê penas como a suspensão de serviço ou até uma pena privativa da liberdade, que é a prisão disciplinar. No entanto, e embora envolva a privação de liberdade, esta não é porventura a pena mais grave prevista no RDM. As penas de reforma compulsiva e de sepa- ração de serviço (artigo 30.º, n.º 2) são penas a cuja gravidade devem corresponder, em especial, todas as garantias previstas para os arguidos em processo penal. Neste sentido se pronuncia, aliás, Paulo Mota Pinto, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/02, onde se fiscalizava a constitucionalidade de uma disposição do anterior RDM. Refere este Conselheiro

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