TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
91 acórdão n.º 187/12 entende que tal reserva foi constituída, no domínio regional, pela norma constante da alínea e) do n.º 2 do artigo 59.º do EPARAA, há então que daí retirar as devidas consequências. A extensão de uma reserva especial de lei pode ter gradações diversas, consoante a específica matéria sobre a qual incida. Todavia, tanto a jurisprudência (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 289/04, disponí- vel em www.tribunalconstitucional.pt ) quanto a doutrina (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição Vol. II, Coimbra 2010, p. 70) são unânimes em considerar que, aí onde houver reservas de lei, ao ato legislativo caberá sempre, e pelo menos, fixar “o sentido e os limites da intervenção regulamentar” (Acórdão n.º 289/04) “não podendo a lei, no âmbito da reserva, deixar de esgotar toda a regulamentação “primária” das matérias, só podendo remeter para regulamento os aspetos “secundá- rios”. (ob. e loc. cits. ) Ora a edição, por via de lei, de tal “regulamentação primária” da matéria de licenciamento de farmácias não ocorre no diploma agora em apreciação. Na verdade, o Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011/A é omisso no que respeita a quaisquer condi- ções substantivas de atribuição de alvará. Nada diz, do ponto de vista material, sobre “o sentido e os limites da intervenção regulamentar” em matéria de licenciamento. Não contém quaisquer critérios materiais rela- tivos à concessão de alvará para abertura ou transferência de farmácias. O artigo 26.º do decreto legislativo regional limita-se a estabelecer genericamente a exigência de “con- curso público” e a determinar a entidade competente para conceder o alvará: a “Direção Regional de Saúde”. Prescreve que deverá existir um procedimento concursal e estabelece uma regra de competência para a con- cessão de alvarás de licenciamento. Apenas contém regras de cariz estritamente orgânico-formal. Não esta- belece, pois, qualquer princípio geral dotado de conteúdo material relativo ao exercício da competência para concessão de licenciamento. Por seu turno, o seu artigo 19.º (preceito este que o requerente invoca) não se refere a matéria de licenciamento, pelo que não pode aqui ser tido em consideração. E, de igual modo, tam- bém o artigo 46.º do mesmo diploma se não refere diretamente às condições de licenciamento de abertura e transferência de farmácias, mas apenas à questão da “transformação de postos farmacêuticos permanentes” em farmácias. É certo que se o Estatuto Político-Administrativo atribui expressamente à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a competência para legislar em matéria de “licenciamento de farmácias”, não sendo aliás essa competência passível de delegação ao Governo (em conformidade com o artigo 232.º, n.º 1, da Constituição), tal não significa que a lei tenha que ser absolutamente exaustiva na regulamentação: haverá naturalmente que deixar todo um necessário conjunto de pormenores para concretização a fazer através de regulamento. No entanto, também é certo que, havendo limites impostos pela reserva de lei constituída pelas normas estatutárias, não pode o decreto legislativo regional deixar de oferecer à regulação administra- tiva um quadro substantivo de referência, devendo por isso ele próprio ser dotado de um conteúdo material suficiente. O Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011/A, ao não definir sequer os princípios gerais que deverão materialmente regular o licenciamento das farmácias, e ao remeter globalmente para decreto regulamentar, no artigo 27.º, a definição dos termos em que tal se deverá fazer, desrespeita portanto a norma constante do artigo 59.º, n.º 2, alínea e) , do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, pade- cendo, por isso, de ilegalidade. III – Decisão Nestes termos, decide-se declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011/A, de 10 de março, por violação do artigo 59.º, n.º 2, alínea e), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
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