TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pelo lugar, hierárquico e funcional, que a Constituição lhe atribui – e pela função substancial que cumprem, de serem a primeira expressão da autonomia político-legislativa da região: artigo 6.º, n.º 2, da CRP – legi- timidade bastante para serem elas próprias “normas distribuidoras” de tarefas no seio da região, enunciando as matérias que, sendo reservadas à função reguladora do legislador regional, ficam subtraídas, na região, à regulação administrativa. A este argumento, atinente ao lugar que as normas estatutárias ocupam no sistema de fontes normativas desenhado pela Constituição, acresce um outro argumento, desta vez relativo ao lugar que as Assembleias Legislativas Regionais ocupam nos sistema de governo da região, tal como ele foi estabelecido pela CRP. As relações que, nas regiões, se estabelecem entre o poder legislativo e o poder executivo não replicam aquelas outras que, na República, se estabelecem entre Parlamento e Governo. Por razões que se prendem, afinal, com os fundamentos da própria autonomia regional (artigo 225.º), na região a assembleia legislativa, de base eletiva, detém uma reserva de competência face ao governo regional que, sendo bem mais vasta do que a reserva homóloga da Assembleia da República, abarca não apenas todas as competências legislativas da região, mas também certos dos seus poderes regulamentares, bem como as suas competências de iniciativa legislativa (artigo 232.º, n.º 1). É por estes motivos que se conclui que a CRP não impede que se entenda que as normas dos estatutos que enunciam as matérias sobre as quais a região pode legislar são normas que têm por efeito a constituição, na ordem interna dessa região, de reservas de lei a favor do legislador regional. Assim, nada obsta a que se entenda que o artigo 59.º do EPARAA, ao dispor que compete à Assembleia Legislativa Regional legislar em matéria de política de saúde, incluindo o licenciamento das farmácias, constituiu neste domínio uma reserva de lei, a ser exercida pela assembleia através da emissão de um decreto legislativo regional, com a consequente exclusão da possibilidade de este setor de atividade vir a ser regulado por norma administrativa. Resta no entanto determinar qual a extensão que deve ter esta reserva de lei. 9. Com efeito, e como já se viu, o autor da norma, na sua resposta, não contesta a existência da reserva. O ponto de partida de toda a sua argumentação é, justamente, o de que os artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1 e 232.º, n.º 1, da CRP configuram uma efetiva reserva de lei formal a favor das assembleias legislativas regio- nais, naquelas matérias que, sendo enunciadas nos respetivos estatutos, delimitam o âmbito da autonomia legislativa das regiões. O que acrescenta, porém, é que a referida reserva de lei formal não tem necessaria- mente que se traduzir numa reserva material esgotante. De acordo com o seu entendimento, aos parlamentos regionais caberá a definição, através de lei, das opções políticas primárias que regularão os setores de atividade estatutariamente enunciados; mas tal não significa que a administração regional esteja impedida de, uma vez definidas por lei as opções gerais sobre certa matéria, vir a desenvolver, através de regulamento, essas mesmas opções, aplicando-as às especificidades das situações concretas. Por assim entender, sustenta ainda na sua resposta o autor da norma que se deve ter por válido o Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011, de 10 de março, “[o qual] estabelece os princípios gerais relativos à insta- lação, abertura e transferência de farmácias na Região Autónoma dos Açores (cfr. artigos 19.º, 26.º e 46.º), remetendo para regulamento regional o desenvolvimento desses princípios gerais e as respetivas condições específicas [de aplicação]”. Sucede, porém, que os artigos do decreto legislativo regional acabados de mencionar não contêm quais- quer “ princípios gerais” relativos às condições materiais de licenciamento das farmácias no Arquipélago dos Açores. Diversamente do que ocorria com o Decreto Legislativo Regional n.º 19/99/A, agora revogado, que, nomeadamente nos seus artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º e 20.º, definia as “condições gerais” de licenciamento, o novo diploma legal remete totalmente para decreto regulamentar regional a definição dessas mesmas condições. É certo, como afirma ainda na sua resposta o órgão autor da norma, que tais condições foram, a nível nacional, definidas por mero regulamento (nomeadamente, a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de novembro). No entanto, é também certo que, a esse “nível”, não existe sobre a matéria qualquer reserva de lei. Ora, se se

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